Os cheiros do meu primeiro amor
 
...”- Já te falei menino para você tomar cuidado e não ficar mascando qualquer
folha que encontra pelo caminho?
Uma hora dessas, você irá ter uma baita alergia ou pior ainda:
Irá acabar ouvindo pedra falar.”
Sentei-me num dos degraus de terra que meu pai já tinha feito na beira do rio, coloquei uma bolinha de massa de pão no anzol, mirei um remanso do rio, coberto de folhas mortas e uns galhos secos que boiavam.
Arremessei com a certeza de que dali eu tiraria um peixão maior que os que meu pai tinha pego.
Aquele movimento manso do rio refletia um sol gostoso, meio avermelhado, era manhã ainda.
Aquele balanço, de folhas e galhos, que ora brilhava, ora escurecia pela luz do sol, começava a me hipnotizar.
Meu pai tinha razão, pois esse hábito de arrancar folhas e flores, eu cultivo até hoje.
Quase sempre, e sempre que possível coloco as duas mãos fazendo uma conchinha, só deixando em cima um buraco por onde aspirar até cansar ou enjoar, o aroma que vem das flores ou das folhas maceradas.
Esses aromas são pra mim tão prazerosos quanto o prazer que os enólogos vivem quando colocam vinho numa taça, agitam-na e sorvem os aromas que o vinho cede.
Das folhas, parece que sinto suas almas, tenho a sensação que alguma coisa me dão quando me informam seus cheiros.
Sabe quando os animais fogem ou se aproximam uns dos outros apenas pelos cheiros que exalam e sentem?
Eu creio que sinto isso nas folhas e nas flores, só que nas flores a sensação é muito mais forte, seus aromas me induzem à lembranças que por anos e anos eu procuro achar ou pior, procuro esquecer, mas uma força mais forte me leva sempre a praticar essa busca.
Às vezes misturo folhas diferentes com flores e aspiro.
Acho que realmente a mistura libera alguma toxina, e se eu não for cutucado pra voltar à realidade, fico ali horas saboreando o aroma e deixando a mente viajar por caminhos que só os praticantes de ioga experimentam.
Com flores então, a viagem é muito maior.
Eu costumo deixar um ou vários tipos de flores secarem no painel do meu carro, não pra castigá-las, mas para obter uma brisa deliciosa e cheirosa quando entrar no carro e ligar a ventoinha ou o ar condicionado.
Esses saches comprados pra aromatizar os carros, embora sejam um ou outro agradáveis me cansam porque ficam ali dias e dias até acabar, além de que são aromas obtidos artificialmente, muito diferente da alma das flores naturais.
Esse amor confesso por cheiro de flores, está fixado em mim, talvez até por aromas que guardei na memória, de frustrações e marcas de um grande amor que senti e não vivi na juventude e que, involuntariamente, procuro nas flores aqueles cheiros do meu primeiro amor.

Doe vida. Doe sangue.
Augusto Servano Rodrigues
Enviado por Augusto Servano Rodrigues em 23/02/2008
Reeditado em 02/03/2008
Código do texto: T872231
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