O DIA EM QUE ME LEVANTEI COM O PÉ ESQUERDO !

 

   Sexta feira, 13 de agosto. Chovia muito. Parecia o fim do mundo, um verdadeiro dilúvio. O despertador não tinha tocado e eu estava atrasado. Tinha que tomar um banho, fazer a barba, escovar os dentes, engolir um café super-rápido, tirar o carro da garagem e encarar o trânsito das sextas-feiras.

   O que era pior, havia uma reunião importantíssima marcada para as dez horas e eu tinha que correr, ou melhor, voar. Minha sorte é que minha mulher sempre se levantava primeiro que eu e portanto, a questão do café não seria problema.

   Ainda bocejando saí da cama , primeiro pisei com o pé esquerdo e como não sou supersticioso, não dei muita importância ao fato. Deveria ter dado. Minha mulher, surpreendentemente ainda dormia um sono profundo.

   Toquei levemente no seu ombro e ela simplesmente virou para o outro lado. Não tinha jeito, mais uma vez teria que me virar sozinho. Entrei no banheiro e tentei acender a luz. Nem sinal. Repeti várias vezes e nada. Aí percebi que estávamos sem energia elétrica e por isso o relógio não tinha despertado.

   Fazia frio, estava escuro e eu tinha que fazer a barba, tomar banho, escovar os dentes e o tempo estava passando, quer dizer voando. Tomar banho frio no verão é uma coisa, com tempo chuvoso e úmido, é outra bem diferente. Fazer a barba com luz acesa e claridade total é uma coisa, enquanto que tentar raspar o couro no escuro é outra bem diferente. Mas, bravamente eu tinha conseguido. E o tempo continuava passando, quer dizer voando.

   Voltei rápido para o quarto, troquei de roupa com uma velocidade nunca antes vista, enquanto minha mulher continuava dormindo. Como não tinha café pronto, peguei alguns biscoitos de água e sal (foram os primeiros que encontrei).

   Corri para a garagem (jamais façam isso quando o piso estiver molhado) e não deu outra....levei um escorregão, caí sentado e sujei a roupa que tinha deixado separada na véspera. Não dava para ir com aquela calça e voltei novamente para o quarto para trocar de roupa. Minha mulher continuava dormindo.

   Troquei de roupa, desci as escadas correndo e consegui chegar são e salvo até o carro. Era só abrir a porta e....mas e as chaves ? Tinha esquecido em cima da mesinha de cabeceira. Voltei correndo para o quarto, levei outro escorregão (desta vez não caí), peguei as chaves abri a porta do carro mas.....e as chaves do portão da garagem?

   As chaves do portão da garagem ficavam na cozinha, num porta-chaves ao lado da geladeira. Voltei novamente correndo para a cozinha (escorreguei, mas como já estava treinado, não caí) e.....as chaves não estavam no lugar. E o tempo passando, quer dizer, voando. Tinha que perguntar a minha mulher. Ela ia detestar ser acordada, mas eu precisava das chaves para abrir a garagem.

   Toquei levemente do seu ombro, ela virou a cabeça na minha direção e perguntou o que eu queria. Expliquei, já nervoso, que precisava das chaves do portão da garagem. Ela se desculpou, disse que tinha esquecido de tirar da bolsa e voltou a dormir.

   Abro um parêntese para comentar sobre bolsa de mulher. É impressionante o que elas carregam e na bolsa da minha mulher tinha simplesmente o seguinte: um guarda-chuva pequeno, caneta, agenda telefônica, celular, batom, dois lenços (prá quê dois ?), alicate de unha, um espelho portátil, escova de cabelo, um pente, lixa de unha, um canivete (ela argumenta que é prá descascar laranjas ), carteira de dinheiro, outra carteira só para cartões de crédito (prá que duas carteiras ?), bolsinha para moedas, dois pares de brincos, um anel, alfinetes, lenços de papel, prendedor de cabelo, perfume ,desodorante, esmalte, um pote pequeno de creme para as mãos, toalhinha, óculos escuros, relógio, uma pulseira, papel higiênico, dois pregadores de roupa (não entendi qual a utilidade), clips, notas antigas de super mercado, várias outras miudezas de que nem me lembro e.....as chaves que eu estava procurando.

   Joguei tudo o que sobrou na bolsa e corri para a garagem, desta vez deslizando por sobre uma poça d'água, tal qual um patinador no gelo (já estava ficando bem treinado). E o tempo continuava passando...passando, não, continuava voando.

   Tomei um pouco de chuva e corri para abrir o portão da garagem. Voltei correndo para o carro e nisso uma súbita ventania, bateu o portão, me obrigando a tomar mais um pouco de chuva, escorar o danado do portão para que ele não fechasse. Voltei correndo para o carro, dei a partida e......o motor não pegou. Tentei novamente, o motor engasgou, tossiu (já imaginou motor de carro tossindo ?) mas não teve jeito....meu carro estava enguiçado. Não podia perder tempo, corri, deslizei sobre a poça d'água, fechei o portão da garagem, deslizei novamente sobre a poça e guardei as chaves na cozinha.

   Nova deslizada , mais um pouco de chuva e assim que fechei o portão me lembrei que tinha esquecido dentro do carro a pasta com documentos importantes que teria que levar para a tal reunião. E eu simplesmente estava trancado pelo lado de fora.

   Peguei o celular (ainda bem que estava no meu bolso) e liguei para minha mulher, que lógico, demorou a atender. Expliquei o problema e pedi para que ela aproveitasse e chamasse um táxi, pois os números eu não tinha gravado no meu celular. Ela resmungou um pouco, demorou uma eternidade e ainda de camisola, abriu o portão.

   Corri para o carro, que estava trancado e as chaves eu tinha deixado , mais uma vez, na mesinha de cabeceira. Subi as escadas correndo, enquanto o tempo passava velozmente, quer dizer voava. Aproveitei, telefonei para o ponto de táxis, abri o carro, peguei a pasta, outra vez deslizei na poça, dei um beijo na minha mulher e pouco depois o táxi estacionava na minha porta.

   Dei instruções sobre minha urgência em chegar ao centro e o motorista arrancou como carro de fórmula um e entrou no trânsito, quer dizer, engarrafamento. Quando já estava a alguns quilômetros de casa me lembrei que não tinha trazido a carteira com dinheiro.

   Expliquei a situação para o motorista, que resmungou um pouco mas, concordou em esperar que eu pegasse o valor da corrida com alguém do escritório. Depois de uma penosa viagem, com chuva, buzinas, fechadas e outros perigos comuns a esses dias chegamos ao meu destino, exatamente quando faltavam cinco para as dez. Saí do carro em desabalada carreira, deixei a pasta como garantia que ia voltar e , graças a Deus, consegui subir no primeiro elevador.

   Pedi dinheiro emprestado para minha secretaria sem dar tempo para que ela me desse um recado urgente que acabara de chegar , voei novamente para o térreo e finalmente pude pagar a corrida do táxi, pegar minha pasta, tomar um pouco de chuva, deslizar sobre outra poça d'água e subir novamente para o décimo oitavo andar, o mais rápido que pude.

   Eram dez horas e dez minutos. Suando muito perguntei a secretária qual era o recado urgente. Simples, a reunião estava cancelada, pois o cliente não tinha conseguido pegar o primeiro vôo, o que só deveria acontecer por volta do meio dia.

   Suspirei fundo, agradeci e me esparramei na minha cadeira disposto a não fazer nada mais naquela sexta feira, que aliás foi absolutamente normal e tranquila, com exceção do cafezinho que derramei na minha camisa e do cinzeiro do meu diretor que consegui derrubar no chão e vê-lo dividido em mil pedaços. Em compensação, posso dizer que pelo menos comecei com sucesso minhas primeiras aulas de patinação.....

 

 

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NOTA : a cada dia que passa, dou mais razão ao querido Lulu Santos , pois é claro que....”nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia”.....


(.....imagem google.....)

WRAMOS
Enviado por WRAMOS em 17/02/2008
Reeditado em 07/01/2013
Código do texto: T863339
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