Beijo na chuva
_ Nossa! Como está demorando! – reclamou Hilda, enquanto esperava o ônibus chegar. Entediada, a jovem resolveu ir a um bar próximo, perguntar se alguém sabia alguma informação a respeito da condução. No bar, Hilda viu poucas pessoas, na maior parte embriagadas, todos dispersos em grupos de no máximo três pessoas. A única exceção foi o homem do balcão, com postura sóbria, bem vestido, bebendo o que parecia ser um uísque de boa qualidade. Por uma espécie de afinidade instantânea, Hilda se aproximou do homem destacado, notando melhor sua aparência, assim como sua voz:
_ Já não há mais ônibus, moça. – disse o rapaz, para a tristeza da moça.
Hilda agradeceu a informação e pôs-se sentada na entrada do bar, com suas longas pernas brancas expostas na calçada. De onde se encontrava, Hilda voltava seus olhares para trás inúmeras vezes, notando mais no homem que lhe cedeu a informação. Foi então que, em uma de suas olhadas, Hilda percebeu que o tal sujeito também olhava para ela, com um ar displicente e já, dessa vez, embriagado. A troca de olhares se repetia cada vez mais, assim como certos sorrisos.
A noite foi passando, até que a jovem Hilda sentiu uma mão tocar seu ombro, notando em seguida ser o dono do bar, anunciando o fechamento do estabelecimento. Alguma gracinha foi proferida para Hilda, num certo tom irônico em que o homem perguntava se ela gostaria de passar a noite ali dentro, mas a única coisa que Hilda sentiu foi repulsa daquele ser barrigudo. No momento, a única pessoa que também se encontrava no bar era também o rapaz dos olhares, o qual já estava saindo enquanto o dono do bar fechava a porta, não sem antes jogar uma piscadinha de olho para Hilda. Revoltada, Hilda o insultou sem que fosse ouvida por alguém, com exceção do rapaz que se encontrava, agora, na frente do bar.
_ Ele é assim mesmo. Não pode ver mulher. – defendeu, o rapaz.
_ Qual é seu nome. – inquiriu, a moça, repentinamente.
_ Chamo-me Heitor.
_ Prazer! Eu sou Hilda.
O silêncio se instaurou no momento, enquanto eles se olhavam aguardando cada um mais um comentário do outro. Foi assim que Heitor notou o começo da chuva e decidiu investir:
_ Está chovendo. Quer se refugiar em meu carro?
_ Eu não sei...
_ Vamos! Não vá se resfriar e, afinal de contas, essa rua fica meio estranha a essa hora da noite.
Com certa hesitação, Hilda acatou o movimento do rapaz, que agora ela sabia, chamado Heitor, estendendo a mão para ser guiada até onde o carro se encontrava.
Depois de um minuto de caminhada, a chuva aumentava bastante e eles entravam no carro. Hilda começou a reparar no interior do veículo, com bancos de couro, espaçoso, cheio de adereços pendurados ao espelho retrovisor. No teto, uma característica singular: vários discos de vinil fixos, todos de cantores franceses dos anos cinqüenta.
_ Você gosta muito desse tipo de música?
_ Não. Falando a verdade, eu os odeio. Por isso os usei como decoração ao invés de ouvi-los. Para ouvir, eu prefiro isso... – disse o rapaz, enquanto pegava uma fita cassete no porta-luvas.
_ Nossa! Como essa música é bonita! Dá até vontade de dançar. – disse ela, com entusiasmo.
_ Então dançaremos!
_ Eu falei por falar...
_ Vamos! Aceita uma dança?
Com um sorriso sem graça, a moça abriu a porta e saiu do carro, ficando debaixo da chuva forte, assim como o outro rapaz. Os dois se olharam por cima do carro por alguns segundos, para depois seguirem lentamente para a frente do veículo e se encontrarem. A luz dos faróis ligados refletia sobre as poças de água acumulada, enquanto a chuva só os deixava cada vez mais ensopados. O vestido branco de Hilda já estava transparente, devido a quantidade de água que absorveu, revelando assim suas formas atraentes, além da ausência de roupa íntima, o que foi percebido instantaneamente por Heitor, que teceu comentários a respeito, gerando gargalhadas abafadas pelo som da chuva. A música mal era ouvida da frente do carro, mas eles dançaram por horas olhando-se nos olhos, até não mais notarem que estavam em plena rua, debaixo de uma forte tempestade.
Num surto compulsivo, Heitor apertou vigorosamente o rosto pálido da moça e o trouxe para próximo do seu, beijando-a intensamente. Após o beijo demorado, Hilda fixou os olhos nos de Heitor por um tempo e saiu correndo pela rua, deixando-o sozinho. O rapaz ficou olhando-a sumir ao longo da noite chuvosa, com remorso pelo que fez, colocando as mãos na cabeça e virando-se de volta para o carro. Após entrar no carro, Heitor girava a chave, quando de repente ouviu um ruído na janela de seu carro: Era Hilda batendo no vidro.
_ Agora eu tenho que retribuir a dança – disse, a moça, entrando e sentando no banco do carona.
_ Me desculpa... – dizia, até ser interrompido por um beijo ainda mais vigoroso que o investido momentos antes. Os dois ficaram se beijando por vários minutos até que o rapaz ficou curioso:
_ Por que você correu?
_ Porque eu nem te conheço direito e acabei ficando assustada, pois você poderia ser um maníaco qualquer.
_ Por que voltou então?
_ Por que você foi a melhor coisa que me ocorreu essa noite – disse a moça, com nítido afeto na forma de dizer as coisas.
Após passarem vários minutos num silêncio total, apenas com olhares se cruzando contra as faces molhadas, Hilda resolveu arremessar seu corpo contra o de Heitor enquanto arrancava seu próprio vestido. Os dois se beijavam desesperadamente enquanto tudo se resumia a mais uma peça de roupa jogada no banco de trás a cada momento, até que estavam nus e ofegantes, trocando apertões e lambidas, mordidas e abraços, levando seus ímpetos ao orgasmo.
O dia amanhecia e Hilda acordava. Ela se encontrava nua e cansada, dentro do carro de um desconhecido do bar, porém satisfeita. A moça se vestiu e abriu a porta sem acordar o companheiro. Minutos depois, Heitor acordou, notando a ausência de Hilda, a qual ele nunca mais encontrou. Heitor dirigiu seu carro para casa e até hoje se pergunta:
_ Por que ela não quis uma carona para casa?