EU
… estou cansada desses parênteses, meu querido. Estou farta de viver à sua sombra, à mercê das suas vontades. Saiba que eu quero ter voz, sem lágrimas desta vez. E não vou mais usar a tal segunda pessoa que você me impôs. Você não merece ser tratado na segunda pessoa, você é um mísero “ele”, um indefinido “ele”, alguém que nunca se deixou saber quem era. A partir de agora vou despir minha verdade, a verdadeira versão da minha história em que, por acaso, você apareceu. Entendeu bem, meu querido? Eu é que escolhi você, eu quis que você fosse o “ele” da minha história, mas você distorceu tudo e agora todos pensam que você é o protagonista, a vítima de uma nymphet de Nabokov. Porém isso acaba hoje. Deste momento em diante, serei o “eu” da narração, e você será apenas a terceira pessoa. Um mero alguém que aparecerá e que pode nem ser você, pois farei questão de torná-lo limitado a satisfazer-me, qualquer que seja o objeto da história. Isso, objeto. Será suprimido, um elemento coadjuvante do meu prazer exclusivo. Meu prazer, porque eu é que decidirei quando o terei novamente, meu querido… Vou vestir-me e vou-me embora.