A casa de Alice

À primeira vista,

parece, sim,

uma casa normal -

nada diferente

das outras vizinhas

do local !

Logo no portal,

numa placa de madeira,

oval,

aparentando nova,

está escrito,

em letras vermelhas -

¨ a casa de alice ¨

Reparo uma dubiedade,

certamente proposital.

Alice,

teve a preocupação de nela incutir

informações de duplo sentido,

talvez,

para confundir

os mais distraídos -

¨o canto no sentido de lugar,

e o canto,

do verbo cantar. ¨

Conheço a casa,

já estive lá,

posso testemunhar -

nela tem algo de espiritual.

No sentido de lugar,

devo dizer,

que não é tão longe

que não se possa ir,

nem tão perto que se diga,

¨é logo ali. ¨

Um longe-perto, vamos dizer assim.

No sentido de cantar,

pode ser canto de canção

ou canto de sedução -

isso depende das intenções

e das ocasiões.

Essa parte jamais descobrirei

a não ser que ela mesmo conte.

Mas uma coisa eu sei, é certo.

¨Quem adentra naquela casa

não sai do mesmo jeito

que entrou ¨

As paredes, gritam -

guardam segredos,

medos,

mistérios.

Quantas coisas já aconteceram ali.

No cantinho,

um violão meio desafinado,

carinhosamente guardado,

como uma joia rara,

e cara.

Violões são instrumentos dos deuses.

O que seria de mim sem eles -

sei, sim - um chato, incorrigível.

Mais um desses burocratas,

engravatados,

que andam por aí -

que comem carne seca

e vomitam

caviar.

Ainda bem que Deus não me fez assim.

Encantei-me

particularmente

por uma velha arma

ainda funcionante.

Que perigo !

Peguei-a com cuidado,

acariciei-a,

demoradamente,

como um objeto fálico -

senti o cheiro da morte ali.

Tremi, gelei, senti medo.

Alice percebeu,

e gritou,

espantada:

¨ Não vá morrer aqui! ¨

Logo reparei

num velho vinho tinto,

amigo,

para alegrar as noites frias e tristes

daquela casa sedutora.

Uma pequena mesinha de marmore,

no centro,

sofas nos lados,

almofadas coloridas -

grandes e

pequenas.

Que preguiça.

Alice me abraça,

me beija,

me toma nos braços.

Carinhos -

afagos.

Tinhamos todo o tempo do mundo -

e, paradoxalmente,

não podiamos desperdiça-lo.

Nós amamos ali mesmo,

e não paramos mais.

Foi a mais linda noite de amor da minha vida.

No firmamento brilhavam todas as estrelas,

aos milhares,

naquele céu noturno de verão.

Elas foram testemunhas do nosso amor.

Mas vou parar por aqui.

Alice,

me fez prometer não contar as melhores coisas.

E costumo cumprir minhas promessas.

Mesmo numa linda poesia

de amor,

como essa!