Jorge Cosmo e o intelecto sem lucidez
Uma tragicomédia filosófica em sete atos e um argumento falho
I – Prólogo: O “Pensador” Emergente
Jorge Cosmo não é um homem comum. É, como ele mesmo proclama com desdém acadêmico, um “intelectual orgânico”. Ninguém sabe exatamente o que isso significa, mas soa importante — e, para Cosmo, isso basta.
Seu avatar nas redes sociais é uma escolha simbólica: um macaco de semblante raivoso, algo entre um militante de sarjeta e um revolucionário pós-apocalíptico. A imagem é reveladora. Ao se identificar com um símio irado, Cosmo parece declarar: a razão é supérflua — o grito, não. Evoluir até certo ponto foi o suficiente. Daí pra frente, melhor retroceder armado de memes.
II – Primeira Interlocução: A Conversão Frustrada
Nosso primeiro contato deu-se por acaso. Ele confundiu um comentário meu com um endosso à sua doutrina tribalista. Ao perceber que eu não comungava com sua cosmologia conspiratória, lançou mão de seu arsenal retórico: vídeos curtos, frases de efeito, indignação perene e uma certeza quase mística de que Kant era um perigoso esquerdista infiltrado.
— Esse cara é perigoso, sim, respondeu-me. — Escreve difícil demais pra ser confiável.
III – A Caverna Ideológica de Cosmo
No mundo de Jorge, só há espaço para dois livros: Mein Kampf, que ele descreve como “corajoso”, apesar de nunca ter passado do prefácio, e A Arte da Guerra, de onde extraiu sua máxima filosófica: “conhece teu inimigo”.
Essa caverna onde habita é escura, mas confortável. A luz é distrativa. Preferível é a penumbra das certezas. Livros são relíquias suspeitas; comentários anônimos em fóruns ultraconservadores, esses sim, revelam a verdade oculta — ou, como ele chama, “realidade paralela oficial”.
IV – O Debate dos Quatro (e Meio)
Em uma live intitulada "Kant, Marx e o Caos nas Creches", Cosmo se senta com três debatedores:
1. Um professor doutor em filosofia
2. Uma socióloga serena e bem articulada
3. Um boneco de palha com camiseta do Che
4. Ele mesmo
Logo abre os trabalhos:
— Estou cercado por três comunistas. E não venham dizer que o boneco é inofensivo. Aquele olhar de botão entrega a militância gramsciana!
A socióloga, paciente:
— O senhor poderia esclarecer o que quer dizer com “Kant era um frouxo”?
— Claro! Se ele diz que todos devem agir como se sua ação virasse uma lei universal, então discordar de mim é imoral. Eu sou a universalidade encarnada. Refutado!
O professor, tentando intervir:
— Mas Jorge, Kant nunca…
— Refutado de novo! — gritou, erguendo um cartaz artesanal:
"CIÊNCIA = QUEM CONCORDA COMIGO"
V – A Lógica Despenca
O boneco de palha escorrega da cadeira.
— Viram?! — exclama Cosmo. — Eis o marxismo tombando diante da verdade conservadora!
A socióloga arrisca:
— O senhor saberia definir “gramscismo cultural”?
— Claro. Gramsci foi um coreógrafo russo que ensinava crianças a dançar balé enquanto plantava socialismo em hortas comunitárias. Isso virou plano da ONU.
— Jorge, isso não é factual.
— Fato é o que eu sinto, senhora. Sentimento é epistemologia. E dor de estômago também.
VI – A Hora do Gorila
No clímax da transmissão, Jorge pega um megafone improvisado com um cone de sinalização e declara, com olhos brilhando:
— Eu sou a enciclopédia viva da direita intuitiva! Li todos os comentários da Jovem Pan! Quem precisa de Kant quando se tem o Whatsapp?
Aponta de novo para o boneco de palha, agora tombado, e sussurra em tom messiânico:
— Progresso... tu cairás outra vez. Pois cada vez que me ouço, a razão se cala de vergonha.
VII – Epílogo: A Apoteose do Antiesclarecimento
Na manhã seguinte, Cosmo publica:
"Debate vencido! Boneco esquerdista nocauteado! A verdade triunfou mais uma vez!"
E atualiza seu avatar:
Um gorila trajando a bandeira imperial brasileira, sob os dizeres:
"Formado pela Universidade da Realidade Paralela – com menção honrosa em Raciocínio Inflamado."
Nota final do autor
Jorge Cosmo é a epítome da ignorância performática: não apenas desconhece, como faz de sua ignorância um palanque. Onde poderia florescer o pensamento, semeia slogans. Onde se esperava lucidez, ecoam gritos. É a vitória do ruído sobre a razão, do meme sobre o conceito, da caverna — não platônica, mas digital — sobre a praça pública do diálogo.
Se por acaso ler este texto, talvez se ofenda. Ou talvez comemore. Mas uma coisa é certa: gritará. Pois, para ele, o silêncio é subversivo.