Maçaneta

Ela está do outro lado desta porta. Porta alta, de madeira, pesada, trincos e maçanetas antigos. A sala tinha um cheiro de ambiente antigo, mas ainda assim acolhedor, como casa de vó. Havia um velho relógio na parede, marcava 22:36 no momento que olhei pela primeira vez. Sentia um cheiro ao fundo de lima-limão, como se um frasco de Coala houvera sido usado, algo fresco. Ele casava bem com o momento. Verifiquei meu hálito, passei a mascar uma bala, o gosto fresco de bala Halls inundou minha boca. Salivava, engolia saliva, aliviava a garganta. Toquei minha testa e senti minha pele molhada. Limpei com os dedos, mas não era como se ajudasse tanto. Permaneci inquieto, olho para o meu relógio de pulso. Era um relógio com display, facilitava a visualização das horas, mas fazia eu ter noção dos meus batimentos. Marcava 110 bpm. Estaria eu nervoso? Olho para a fechadura novamente, direciono minha mão, mas antes de tocar, olho para o relógio da parede. Marcavam 22:40. Eu fiquei 4 minutos parado? O que fiz nesse tempo? O que está acontecendo? Eu… eu tô pensando muito? O que estou fazendo aqui? E se não gostar? E se eu estiver errado? O que está ocorrendo?

Respiro fundo, começo a ficar com os olhos mais e mais ativos. Sinto o Halls em minha boca, de um lado a outro. Meus dedos batendo em minha perna. Coloco no meu bolso, disfarço. Alguém se move atrás de mim, provavelmente alguma outra pessoa de outro apartamento. Disfarço, me viro e coloco minhas costas contra a parede. Enquanto isso, toco em meu cabelo, respiro novamente de maneira profunda. Sinto que não há ar no mundo que possa fazer eu encher meus pulmões. Estaria eu desesperado? Angustiado? Apaixonado?

A pessoa entra em seu apartamento. Me volto a olhar para aquela entrada do hall, com o relógio de fundo. Já são 22:45. Estou perdendo todo meu tempo aqui. Encaro a maçaneta, ela era metálica, havia adornos em dourado. Mover minha mão até ela era mais pesado que empurrar a porta. Toco nela. Um frio queima minha espinha, um choque passa ao meu corpo. Aperto minha mão. A maçaneta é extremamente dura. Meu relógio apita, movo minha mão para trás. Havia recebido uma mensagem de um grupo de amigos, pura bobagem, mas isso fez com que eu perdesse toda a concentração que havia construído, que confiança infundável…

Lamento por mim mesmo. Olho para meu celular, olho mensagens. Já estava atrasado, preciso me apressar. Guardo o celular, dou uma última olhada em minha câmera. O Halls já estava derretido em minha boca, mordo ele, como sinal da minha angústia. Respiro fundo, engulo novamente minha saliva, respiro, respiro. Olho ao relógio, já são 23 horas. Decido. É agora, tem que ser nesse momento. Eu farei, eu farei, EU FAREI!

Toco na maçaneta. Minha mão molhada de suor, minha testa com o mesmo suor escorrendo. Respiro novamente, lembro dos olhos, sorrido, desejo nela. Tomo coragem, giro a maçaneta. Ela era realmente muito dura. Torço ela pela metade, mostrando que estava ali. Ninguém que estivesse no apartamento poderia negar que não há alguém tentando abrir a porta. Respiro novamente no meio do movimento. O ar estava pesado, estava difícil conseguir respirar. Torço mais um pouco, chegando quase ao fim. O som do trinco se abrindo soa. Eu só precisava empurrar, só preciso empurrar, somente isto. Só tenho que fazer isso. É a única coisa, é a única tarefa. É agora, não posso desistir. Eu tenho que fazer, eu tenho que abrir, sorrir e olhar ela. O que ela estaria vestindo? Uma camiseta preta, calça jeans escura? Não, está frio, talvez um moletom, talvez um vestido, talvez nada. É, acho que isso não… O que ela estaria usando? Mas o sorriso, mas a voz…

CONCENTRAÇÃO. Preciso manter o foco, preciso focar. Eu devo fazer isso. Empurro a porta. Sinto-me como Sísifo empurrando uma pedra que sempre irá voltar ao início. Eu empurro… empurro, e ouço ao fundo…

— Hey, o que está fazendo aí?

Imediatamente me assusto. Abro a porta, vendo uma pessoa à frente. Era uma senhora, de uns cinquenta e poucos anos. Ela estava me encarando como se nunca tivesse visto alguém na vida. Ela me pergunta: quem é você? Eu me pergunto quem eu sou, enquanto a pessoa que está atrás de mim pergunta o que estou fazendo ali.

Entendo, finalmente. Olhando para o relógio marcando 23:15, estava o tempo todo no apartamento errado.

ZeroAmbrosi
Enviado por ZeroAmbrosi em 19/04/2025
Reeditado em 20/04/2025
Código do texto: T8313212
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