A INTERDITADA
Leninha foi ao Cartório do 3º Ofício, perto do trabalho dela, para se informar a respeito de uma certidão sobre pendências judiciais que fora solicitada à Dolores sua amiga.
Chegando no Cartório, ela foi logo querendo saber como conseguir tal certidão. A atendente lhe perguntou: - Ela é interditada?
Leninha, não entendeu e replicou: - Como assim, interditada?
Novamente a atendente disse: - Interditada, uai.
Interditada? Como assim interditada? De novo perguntou Leninha, ao que a atendente respondeu concluindo: - Isso mesmo, interditada.
Sem entender nada, mas diante da resposta única da atendente, ela disse: Tudo bem, obrigado. E foi embora.
Leninha se lembrou que na última vez que esteve no Shopping Águas Limpas, havia uma placa na porta do banheiro com essa palavra: “Interditado”.
E ficou se perguntando qual a relação de um banheiro interditado com a resposta da atendente do Cartório no caso da certidão para a Dolores. Será que o Cartório é que estava interditado e não podia dar a tal certidão? Parece que não, pois ela entrou e circulou sem que ninguém a incomodasse.
Leninha procurou a Dolores para expor a situação e perguntou se ela é interditada. A Dolores lhe respondeu: O que é isso? Interditada?
A dúvida somente foi esclarecida quando a Dolores explicou esse impasse na imobiliária, onde estava tentando alugar um apartamento. O corretor lhe explicou que uma pessoa interditada é aquela que por alguma razão se tornou incapaz de gerir seus negócios e judicialmente é declarada que não pode comprar e vender bens, assinar contratos ou realizar transações bancária.
Esclarecida a dúvida, Dolores decidiu que ela mesma iria ao Cartório pedir a tal certidão e encerrar o assunto.
Quando a Leninha me contou essa história, eu me lembrei do que aconteceu comigo quando, aos 18 anos, comecei a trabalhar no banco. Não é raro pessoas que trabalham em repartições darem informações utilizando palavras que fazem parte de sua rotina diária no trabalho e não se dão conta de que o público que elas atendem muitas vezes não estão familiarizadas com tais palavras ou expressões.
Naquele meu caso, o gerente tinha me pedido para ir até uma oficina confirmar a existência de certas máquinas e equipamentos que o dono estava oferecendo em garantia a um empréstimo que havia solicitado ao banco.
Sem questionar, eu fui lá e anotei todos os detalhes de cada um daqueles bens: nome do equipamento, número, marca, nome da fábrica, etc. etc.
No vencimento do empréstimo, o tal cliente não fez o pagamento e quando o banco ameaçou com a penhora dos bens, verificou-se que não havia comprovação da propriedade dos mesmos pelo cliente.
O Inspetor que visitava a agência, chamou-me para uma conversa séria e me disse: você tem uma geladeira em casa? Eu disse que sim. Ele então perguntou, como você me prova que ela é sua? Eu prontamente respondi: eu levo você na loja do Miguel, aquele turco da esquina, e ele vai lhe dizer que eu comprei e paguei.
Daí o inspetor, nervosamente, me deu uma bronca dizendo que a comprovação de propriedade de um bem se faz com nota fiscal e recibo de seu respectivo pagamento.
Como eu era atrevido, respondi na lata: - No concurso que fiz para o banco, esse conhecimento não me foi exigido. E no mais, eu fazia faculdade de História e lá não se ensina essas coisas.
Fico agora pensando que tanto eu, recém-saído da adolescência, como a Leninha sofremos cobranças de um conhecimento que não tínhamos.
A atendente do Cartório bem que poderia ter explicado para a Leninha o que significa uma pessoa interditada e o gerente da agência ao enviar um funcionário novo para verificar os bens oferecidos em garantia, também deveria ter lhe perguntado e orientado sobre como se faz a comprovação da propriedade de um bem.
Mas a gente sabe que mesmo que a atendente do Cartório e o gerente do banco tivessem prestado todos os esclarecimentos, ainda assim, desentendimentos e mal-entendidos poderiam ter ocorrido, porque a comunicação traz em si algumas dificuldades. De um lado podem ocorrer dificuldades para um interlocutor conseguir expressar com clareza um pensamento ou uma ideia sua e do outro lado, também pode ocorrer a dificuldade do outro interlocutor compreender corretamente o que a primeira parte queria expressar.
No mundo da comunicação, as coisas não são tão simples, como às vezes a gente pensa.