O VELÓRIO DO TIO EUSTÁQUIO

Tio Eustáquio, único irmão do meu pai, era aquele tio brincalhão, bem-humorado que volta e meia nos visitava.

Lembro-me de quando ele nos visitou com um amigo, que trabalhava com desenhos artísticos, e pediu-me que lhe mostrasse umas tiras de papel, em que eu desenhava historinhas em quadrinhos, criadas por mim mesmo, para exibir numa caixa de sapatos, que eu adaptava para ser uma suposta tela de cinema. Coisas de crianças. Eu devia ter uns 9 anos de idade na época. O tal amigo elogiou meus desenhos, principalmente a combinação de cores que eu usava.

Na adolescência, quando comecei a fumar escondido dos meus pais, eu me recordo de uma viagem que fizemos, eu, ele e meu pai. Paramos num posto na estrada e quando fomos ao banheiro, longe do meu pai e sem que ele percebesse, o tio Eustáquio me ofereceu um cigarro. Ele sabia se colocar ao meu lado, ser meu cúmplice.

Lembro-me dos abraços carinhosos dele sempre que nos visitava. Queria sempre saber como estavam as notas na escola e o que eu estava aprendendo. Sempre pronto a apoiar, a estimular.

A última vez que estivemos juntos, eu já estava casado e tinha um filho. Ele nos visitou e, como sempre, querendo notícias, apoiando meus projetos de vida e nunca deixando de dar o seu forte abraço, que era a sua marca registrada.

A notícia de seu falecimento me pegou de surpresa. Tive que ir às pressas para o banheiro do meu trabalho para esconder o meu choro. Não consegui conter. Chorei aos prantos. E, confesso que, ainda agora, ao me lembrar, as lágrimas escorrem de meus olhos.

Passei a noite no velório do tio Eustáquio.

Lembro-me da presença da Anelina, minha amiga de muitos anos, que foi me consolar, pois sabia de minha ligação com tio Eustáquio. Estivemos juntos, a noite toda, parentes e alguns amigos. Muita tristeza no ar. Tio Eustáquio era muito querido.

Quando, já dentro do cemitério, seguíamos para o sepulcro, minha irmã Joana, que tem uma linda voz, começou a cantar a canção preferida do tio Eustáquio, “O mundo é um moinho”, do Cartola. Foi um momento emocionante quando muitos de nós não conseguiram conter as lágrimas.

Foi uma experiência bem diferente da que ocorreu comigo no velório do vovô Hermógenes, quando eu tive a percepção clara de estar conversando com vovô, enquanto o corpo dele estava ali no caixão, antes de ser enterrado.

Com o tio Eustáquio foi diferente. Foi uma despedida silenciosa. Triste, mas silenciosa.

Desde então, o tempo passou, mas eu segui tendo a sensação de permanecer em contato com Tio Eustáquio. Às vezes no trabalho, outras vezes andando pelas ruas, eu o vejo nitidamente, ora atrás de mim, ora numa esquina mais adiante. É uma sensação de que ele me acompanha, de que ele está por perto, sempre disposto a me apoiar, a me dar alguma dica. Nos meus momentos difíceis, muitas vezes eu me pego buscando a presença e o apoio dele. É quando um conforto toma conta de mim.

Ronaldo de Moraes
Enviado por Ronaldo de Moraes em 16/04/2025
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