Farinha de puba

A chácara ao pé da serra era o lugar de sobrevivência que Ele não arredava o pé.

O plantio de arroz, fava, feijão, milho e mandioca repetiam-se, ano após ano, como alternativa de sobrevivência.

O plantio de coco permitia que Ele, de vez em quando, molhasse a garganta com a deliciosa e adocicada água. De modo inigualável, cada coco tinha uma água que parecia dar força à continuidade do trabalho diário na lida com a roça, no roçado do mato, na limpeza do capim e na construção ou refrorma das cercas que limitavam a chácara de quase 4 alqueires.

A plantio de cana era, também, o que Ele mais mais gostava. Isso porque, em alguns dos finais de semana, contava com a presença dos filhos, netos, genros e nora para tomar garapa, fazer rapadura ou tijolo de cana.

Como sempre, Ele quase não deixava os visitantes participarem do serviço de corte, moagem ou mexido do caldo de cana no imenso tacho colocado no forno de barro que aguentava a temperatura causada pela queima da madeira seca, a qual era apropriada para tal finalidade.

A mandioca, cultivada anualmente, era o que Ele mais gostava de cuidar. Era a partir dela que tínhamos a oportunidade de desfrutar o sabor inigualável da "farinha de puba" produzida por suas mãos calejadas, porém com uma força inigualável, embora tivesse mais de 70 anos.

Era Ele quem arrancava a madioca da terra após o tempo adequado. A limpeza, a colocação no tanque com água e a retirada após o processo denominado "tempo de puba" era feito sem chamar ninguém para ajudá-lo, e quando lá estávamos a vigilância era grande para não errarmos no serviço.

Tudo isso Ele fazia no início das madrugadas, algo por volta das 2h, pois dizia que o tempo era frio e apropriado.

Com cuidado, retirava as mandiocas da águas, arrancava as cascas que as protegiam. Uma a uma eram levadas ao coxo e ralada para extrair a massa que, logo após o escorrimento da água na prensa, seria levada ao grande forno.

O forno, uma espécie de forma de bolo gigante, era construído de zinco. Sim, desse zinco que a gente usa para fazer as calhas nos beirais das casas.

O grande forno, ou fogão de tamanho exagerado, media cerca de 2m x 3m, era construído de barro com uma entrada para colocação da madeira que daria o fogo na quantidade adequada ao cozimento da farinha de puba.

Ele, embora tivesse um corpo magro, tinha um caminhado rápido, uma agilidade admirável e de uma força impressionante. Após tudo arrumado, Ele começava o cozimento da farinha de puba ao frio e ao som do silêncio inconfundível das frias madrugadas.

Certa vez, chegeui a pensar que ele escolhia esse horário para fazer tudo sozinho, pois sabia que os filhos, netos, genros e nora não iriam levantar tão cedo para um trabalho árduo.

Com muito cuidado, capricho e destreza Ele usava uma espécie de "rodo" de madeira para mexer a farinha no forno de zinco. Havia também uma colher gigante chamada de "apá" que auxíliava o serviço quando o rodo levava os braços à exaustão.

A cor amarelada e o sabor inigualável da farinha eram resultantes do capricho dEle, pois ninguém na região de sua chácara fazia uma farinha de puba tão deliciosa.

A vizinhança, os conhecidos e os parentes sempre diziam que Ele produzia uma farinha incomparável.

Foram muitas as pessoas que se alimentaram da farinha de puba que ele produzia. Foram muitos os tipos de alimentos complementados com ela. O almoço ou jantar, regados ao feijão com caldo, a galinha caipira, a melancia, que Ele também cultivava, são exemplos de alimentos que não dispensavam o acompanhamento da farinha de puba.

Hoje, após seus 77 anos, Ele (Luiz Tadeu) não está mais conosco, mas o paladar não consegue esquecer o sabor inigualável da farinha de puba produzida por suas habilidosas mãos.