Brasas no escuro
Brasas no escuro
Cardoso I
O salão estava repleto de vozes e risadas dispersas, o som de taças tilintando em brindes despreocupados. O tempo havia passado, deixando marcas sutis nos rostos, nos gestos, na maneira como se olhavam sem realmente ver. Até que, entre a multidão, os olhos dela cruzaram com os dele.
Por um instante, tudo se silenciou. O presente desbotou como tinta ao sol, e restaram apenas dois jovens, ainda intactos no tempo, ainda cheios de promessas interrompidas. Mas as promessas nunca cumpridas não morrem; elas ficam ali, entre os cantos da memória, como brasas adormecidas sob a cinza fria.
Ela sorriu, um sorriso que não era apenas um gesto, mas uma lembrança viva. Ele hesitou, o copo suspenso a meio caminho da boca, o peso de décadas comprimido entre os dedos. Vinte anos. Vinte anos de ausências e caminhos divergentes. Ambos haviam seguido em frente, construído lares, criado filhos, dito 'sim' para outras vidas. Mas ali estavam, e nada disso parecia importar.
Ele se aproximou devagar, como quem pisa um chão sagrado. "Ainda gosta de vinho tinto?", perguntou, e a voz era um eco do passado, uma melodia conhecida.
Ela riu, um riso que carregava saudade e dor misturadas. "Ainda esquece de piscar quando está nervoso?"
E então, sem pressa, sentaram-se à mesa de um canto discreto. Falaram de coisas banais — o trabalho, as crianças, o tempo que parecia escorrer mais rápido agora. Mas, no fundo, ambos sabiam que cada palavra era apenas um pretexto para permanecerem ali, para prolongar aquele momento que o destino, generoso ou cruel, havia lhes concedido.
O amor não se apaga. Pode se disfarçar, pode se esconder entre os afazeres do dia a dia, pode se vestir de esquecimento. Mas nunca morre.
Quando a noite chegou ao fim, eles se despediram com um abraço demorado, desses que guardam o calor de uma despedida e o ardor de um reencontro. Não haveria mais nada além da lembrança, além daquela chama que permaneceria ali, silenciosa, queimando no escuro do que poderia ter sido.
E ambos sabiam: algumas brasas nunca se apagam.