O cheiro da chuva
Gilmar fechou os olhos enquanto a primeira gota de chuva atingia seu rosto. O cheiro úmido da terra molhada invadiu suas narinas como um fantasma familiar, e de repente, ele já não estava mais na calçada empoeirada do bairro onde morava, mas sim em um passado que teimava em não apodrecer.
Era o mesmo odor: terra revirada, grama cortada e um travo de ferrugem, como se o céu tivesse lavado algo antigo. O cheiro da chuva em Rio Bonito, cidade do interior onde passou a infância entre silêncios e olhares tortos. O cheiro que precedeu a morte de seu pai.
Na memória, ele tinha oito anos. A casa de madeira rangia com o vento, e o lampião balançava, projetando sombras que pareciam dedos ossudos nas paredes. Seu pai, homem de mãos calejadas e sorriso escasso, chegara tarde da roça com as botas encharcadas. "Chuva boa, Gilmar", dissera, esfregando a cabeça do menino. "A terra vai beber até cansar."
Mas naquela noite, a chuva não parou. Transformou-se em um dilúvio que engoliu estradas e fez o rio transbordar. Gilmar se lembrava do cheiro — aquele mesmo cheiro de agora — impregnando a casa enquanto esperava. O pai saíra para amarrar o cercado dos porcos, mas não voltou. Só encontraram seu corpo no dia seguinte, enroscado em um galho de cedro, a camisa vermelha desbotada pela lama.
Na cozinha, a mãe chorou em silêncio, esmagando folhas de manjericão entre os dedos para disfarçar o odor da morte. Mas nada apagava aquele cheiro de chuva e terra podre, que desde então habitava as narinas de Gilmar como uma maldição.
Agora, adulto, ele se agarrou a um poste, tonto. O cheiro era idêntico. Até a rua parecia sumir, substituída pela imagem nítida da camisa vermelha do pai, balançando na correnteza. Uma senhora passou e perguntou se ele passava mal. Gilmar balançou a cabeça, engolindo o nó na garganta.
No bolso do casaco, seus dedos encontraram um lenço que não usava há anos. Era de linho, bordado com as iniciais do pai — "J.G." —, herdado junto com a casa vazia após a morte da mãe. Trouxera-o sem saber porquê, naquela manhã. Agora, pressionou-o contra o rosto, inalando o vestígio de naftalina e algo mais: um traço de tabaco de rolo, que seu pai mascava após o almoço.
A chuva aumentou, e Gilmar deixou-se molhar. Pela primeira vez em trinta anos, chorou sem contenção. Não pelas lembranças tristes, mas pela falta que sentia daquela mão áspera em sua cabeça, do riso baixo que ecoava nas noites quentes. O cheiro, agora, não era só de morte. Era também do pai vivo, da terra que ele amava, do suor que secava no sol das colheitas.
Quando a tempestade passou, Gilmar dobrou o lenço com cuidado e seguiu caminho. O odor dissipou-se, mas algo permaneceu: uma ferida que, finalmente, respirava.