O PEQUENO JUDEU NAO CIRCUNCIDADO.

 

 

David e Lili Rubinstein era um casal de judeus sobreviventes do holocausto nazista, que sobreviveu graças a falsos documentos cristãos e ambos praticavam, o cripto judaismo, o judaísmo entre quatro paredes e a cortinas fechadas. Eles se consideravam judeus, mas publicamente se declaravam católicos. Viveram a trágica experiência de terem seus pais, assassinados em Auschwitz, além de que David, quando fugia de Cracóvia, juntamente com sua mulher, fora preso, numa estação de trem de Landskrona, uma pequena localidade polonesa, pela polícia local colaboracionista. Eles mostraram seus documentos (falsos) ao policial que desconfiado os conduziu à pequena delegacia da cidade, onde foram atirados numa cela imunda.

“Vamos verificar isso agora” - berrou o polaco.

“Abaixe suas calças!”

Para certificar-se de que sua suspeita era correta, obrigou David a mostrar seu pênis, para provar se de fato o casal era de judeus, e em caso positivo, ser entregue à Gestapo. “Tá vendo como meu faro não falha, malditos judeus, matadores do nosso Senhor Jesus Cristo!”- gritou com estardalhaço. Comprovada a circuncisão a Gestapo foi chamada , e um destacamento chegou para prender o casal e enviá-lo para um campo de concentração. Lili chegou a comentar com David, “dessa vez é o fim da linha para nós”.

No entanto, os nazistas chegaram à prisão completamente bêbados e o chefe do destacamento, com as bochechas coradas de tanto beber, não desgrudava os olhos de Lili, uma bela morena, que, para seduzi-lo, começou a cantar antigas canções vienenses. O nazista , embriagado, não só pelo álcool , mas principalmente pelo canto e a beleza de Lili, perguntou- lhe “onde aprendeu a falar tão bem o alemão com sotaque vienense?” “Eu vivia em Viena antes da guerra”- respondeu-lhe Lili, num alemão fluente. “Eu sou vienense!”- disse-lhe o oficial entusiasmado. “E você é judia?” . Claro que não, sou católica” - mentiu-lhe com convicção. O oficial da Gestapo chamou o policial polonês e disse-lhe em tom áspero: “Solte-te os agora, eles não são judeus como afirmas, caso contrário mandarei te prender, seu porco polaco!”

O casal conseguiu assim escapar da morte iminente, deixando as pesadas malas para trás, correndo para a estação, e só com as roupas do corpo, partiram no primeiro trem que parou na estação, pensando: não importa aonde vai esse trem, vamos fugir imediatamente antes que a bebedeira do nazista passe”.

Finda a guerra e o genocídio de judeus, com todos esses traumas, David e Lili emigraram para o Brasil e ainda durante muito tempo continuaram a praticar o judaismo apenas em casa, decidindo não circuncidar seu pequeno filho primogênito Marcos, para poupá-lo dos perigos da identificação cabal de um judeu.

No verão de 1968, o menino havia completado 10 anos de idade e Lili resolveu que já era tempo de assumirem suas verdadeiras identidades e então decidiu enviá-lo para uma colônia de férias judaica em Paty de Alferes, no estado do Rio de Janeiro, sem imaginar que isso acarretaria grande sofrimento a seu filho.

Na hora do banho coletivo, Marcos cobria com as mãos seu pinto, para que os outros meninos não percebessem que ele não tinha feito o chamado Pacto de Abraão com Deus. Ao perceberem que Marcos sempre cobria seu pênis com as mãos , os meninos desconfiaram de que havia algo de errado com ele. Uns gritavam: “ele deve ser viadinho ou mulherzinha, não deve nem ter pinto, enquanto que outros berravam: “esse guri não é judeu e cobre o pinto para esconder, “ele é goy”! Essas zombarias soavam para o pequeno Marcos como ofensas violentas e agressivas a ponto de fazê-lo chorar em surdina. As cenas de escárnio se repetiam todos os dias na hora do banho, levando-o ao desespero.

De uma certa forma, Marcos passou pelo processo inverso de seu pai: enquanto este fora preso e virtualmente condenado à morte por ser circuncidado, Marcos passava diariamente por humilhações pelo fato de não ser circuncidado. E este foi o grande trauma que o acompanhou durante sua vida inteira: desistir de ser judeu e incorporar-se completamente à cultura e à vida não judaica de seu país natal ou assumir seu judaísmo, sem contudo jamais exibir em público a sua condição de judeu que não obedeceu a lei de Abraão e Moisés.

Até hoje Marcos quando vai urinar no banheiro de alguma sinagoga, que frequenta em memória de seus pais, ele prefere sempre se trancar nos pequenos cubículos das privadas a ter que expor seu pênis em mictórios. As lembranças das zombarias que tão intensamente sofreu na infância nunca foram apagadas de sua mente.

 

*Os personagens deste conto são fictícios , embora muitos meninos judeus, filhos de sobreviventes do holocausto, não foram circuncidados.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Roberto Leon Ponczek
Enviado por Roberto Leon Ponczek em 25/03/2025
Reeditado em 27/03/2025
Código do texto: T8293761
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