Divórcio
Divórcio
Cardoso I
Ana nunca se desligou completamente de Daniel. O divórcio fora assinado há um ano, os móveis repartidos, os papéis organizados, mas todos os dias, sem exceção, eles se falavam. Não por necessidade, não por amizade verdadeira, mas por hábito.
“Bom dia, dormiu bem?”
“Preciso te contar uma coisa engraçada que aconteceu hoje.”
“Lembra daquela música que a gente ouvia no carro?”
As mensagens eram breves, corriqueiras, pontes frágeis que ela se recusava a destruir. Ele também não se esforçava para quebrá-las. Era mais fácil assim, manter um laço invisível, um resquício de nós.
O problema era que, enquanto Daniel seguia sua vida—viajando, conhecendo pessoas, trabalhando até tarde—Ana estava presa. Ela evitava certos lugares para não ser surpreendida por lembranças. Mantinha as velhas rotinas, como se qualquer mudança fosse um passo definitivo para longe dele. E, embora soubesse que não havia mais amor, ainda sentia a necessidade de estar presente na vida dele, como se temesse se tornar irrelevante.
Mas bastou um dia.
Era um domingo nublado quando Ana acordou e percebeu que não queria mais responder. Seu dedo pairou sobre a tela do celular, sobre a notificação piscando com uma nova mensagem dele. O mesmo tom casual. O mesmo tom seguro de quem sabe que terá resposta.
Mas, naquele instante, ela sentiu um peso. Um cansaço.
Por que continuava ali? O que temia perder, afinal?
Os dias que seguiram foram estranhos. Ela sentia falta da troca de mensagens, como se tivesse amputado uma parte de sua rotina. O silêncio entre eles não era confortável, mas era necessário. No começo, Daniel achando estranho a ausência da ex, insistiu. Perguntou se estava tudo bem. Ela disse que sim. Ele não perguntou mais.
O tempo passou. Ana começou a preencher as horas que antes eram tomadas pelas conversas com ele. Leu um livro que estava esquecido na estante. Passou a caminhar no fim da tarde sem precisar dividir cada detalhe com alguém. Redescobriu seus próprios pensamentos, sem precisar encaixá-los no ouvido de outro.
E então veio a surpresa.
No café de sempre, sentada à mesma mesa de costume, Ana conheceu alguém. Não foi um encontro planejado, nem um romance de filme. Apenas uma conversa despretensiosa com um desconhecido de olhos gentis e voz tranquila.
Ela riu de algo que ele disse e, no exato momento em que sorriu, percebeu.
Não era Daniel. Não precisava ser.
Pela primeira vez em muito tempo, Ana sentiu algo diferente. Algo que não era saudade, nem culpa, nem nostalgia.
Era liberdade.