Madame X
Madame X
Cardoso I
Scarllet sempre fora uma mulher temida e invejada. Dona de uma fortuna incalculável e de uma beleza que desafiava os anos, ela se recusava a aceitar a decadência imposta pelo tempo. O espelho era seu maior inimigo, e cada nova linha em seu rosto era uma afronta à sua soberania. O dinheiro lhe garantiu os melhores cremes, os cirurgiões mais renomados, mas nada parecia suficiente. Ela queria mais. Ela queria tudo.
Foi então que conheceu o Dr. Laurent.
Um homem de poucas palavras e olhar meticuloso, ele não parecia impressionado com sua presença, o que a irritou. Estava acostumada a ser admirada, temida ou bajulada. Mas ele apenas a observava, como se analisasse uma peça rara prestes a ser modificada.
— O que eu quero, doutor, é a juventude. Mas não apenas a aparência — eu quero ser jovem outra vez. O senhor pode me dar isso?
Laurent entrelaçou os dedos e sorriu de um jeito calculado.
— Eu posso lhe oferecer algo muito além de cirurgias e tratamentos passageiros. O que tenho é definitivo.
Apresentou-lhe uma pequena cápsula vermelha dentro de um frasco de vidro.
— Esta pílula irá devolver a você exatamente o que deseja. Seu corpo, sua pele, seus órgãos, seus ossos... tudo retornará ao estado em que estavam quando você tinha 15 anos. Mas devo alertá-la: o processo é irreversível.
A mulher pegou o frasco e girou-o entre os dedos. Era tão pequeno, tão simples... e, ao mesmo tempo, o segredo da eternidade cabia ali dentro.
— Quanto? — perguntou.
— O preço é insignificante perto do que está comprando.
Ela não hesitou. Assinou os papéis, fez a transferência e, sem mais delongas, engoliu a pílula.
A Transformação
A princípio, nada aconteceu. Sentiu apenas um calor espalhando-se pelo corpo, como uma taça de vinho forte descendo pela garganta. Depois, veio uma vertigem suave. Seu coração bateu acelerado, sua respiração ficou curta.
— O que é isso? — perguntou, mas sua voz soou diferente, mais aguda, mais jovem.
Laurent sorriu.
— O processo começou.
Ela cambaleou até o espelho do consultório. Olhou-se e percebeu as primeiras mudanças: suas rugas estavam desaparecendo diante de seus olhos. O contorno de seu rosto afinava, a pele ganhava viço. Suas mãos, antes marcadas pelo tempo, tornaram-se lisas e delicadas como pétalas.
Então veio a verdadeira transformação.
Seu corpo começou a encolher, os ossos estalavam suavemente, os músculos se reacomodavam. O vestido de seda escorregou por seus ombros, tornando-se largo demais para seu novo corpo. O colar de diamantes pesava como se fosse feito de chumbo. O mundo girou, e ela caiu de joelhos.
A respiração ofegante, as mãos trêmulas, ela olhou novamente no espelho e viu o impossível: uma jovem mulher de 15 anos.
O choque a fez tremer da cabeça aos pés. Ela tocou o rosto, o pescoço, os cabelos, tentando reconhecer-se naquela nova versão de si mesma. Era como voltar no tempo... mas havia algo profundamente inquietante naquilo.
— Parabéns, senhorita — disse Laurent. — Você acaba de renascer.
O Conflito
Ainda em êxtase, tentou se vestir, mas suas roupas agora eram enormes para seu novo corpo. Laurent lhe entregou um simples vestido branco, quase infantil. Com pressa, ela vestiu-o e saiu do consultório, ansiosa para reassumir sua vida gloriosa.
Mas o mundo não a reconhecia mais.
Seus funcionários não abriram os portões de sua mansão. Os bancos recusaram-se a atendê-la. Seus documentos eram inúteis, pois agora seu rosto era o de uma desconhecida.
— Madame scarllet? Não me faça rir! — zombaram, enquanto ela tentava argumentar.
Logo, ela percebeu o horror da sua escolha. Sem identidade, sem poder, sem provas de quem era, tornou-se uma adolescente perdida na cidade. Tentou recorrer a amigos influentes, mas ninguém a levava a sério.
Enquanto isso, Laurent, o único que conhecia a verdade, rapidamente tomou posse de tudo. Os advogados cuidaram da papelada. As propriedades foram transferidas. A herança foi reivindicada.
Madame X, agora apenas uma garota sem nome, vagou pelas ruas, sua única herança sendo a juventude eterna. Mas de que valia a juventude sem o império que construíra? Sem o respeito, o poder, a identidade que a faziam ser quem era?
Agora, estava condenada a vagar sem rumo, uma adolescente eterna presa num mundo que não a reconhecia mais pelo nome, exceto por Madame X.