Transtorno
Quando Fausto acordou, a primeira coisa que viu foi uma lâmpada led tubular branca no teto que piscava intermitentemente.
Tentou coçar o nariz e então percebeu que estava amarrado. Havia faixas de gaze segurando seus membros e uma sobre o tórax. Repuxou e tentou de todas as maneiras se soltar, mas era impossível. Um rapaz de jaleco branco, máscara e touca se aproximou e com uma lanterna examinou o fundo de seus olhos. Chamou uma colega e falou alguma coisa ininteligível para Fausto.
"Ok, agora que você está mais calmo vamos te transferir." Disse o médico. Nisso chegam dois enfermeiros e começam a desamarrá-lo.
"Consegue se levantar?" Fausto faz que sim com a cabeça, senta-se e tateia o chão com os pés. Cambaleante sai do leito. Acompanha uma enfermeira entre corredores brancos e verde-claro até uma prota onde estava escrito CONSULTÓRIO.
Lá dentro um médico o espera lendo seu prontuário.
"Boa dia, se sentindo melhor?" Pergunta o psiquiatra com meio sorriso.
"Sim, sim..." Responde o paciente.
"Ontem você estava um pouco agitado, mas me parece que já está bem melhor. Fiz um plano singular para você. Vamos ver como você se adapta e dependendo da resposta vamos adaptando com o tempo. Tudo bem pra você?"
Fausto concorda balançando a cabeça. Suas mãos tremem e sua um pouco na testa.
"Olha não sei se é ansiedade ou abstinência, vou receitar 5 mg de Diazepam agora e a tarde a gente vê como você vai estar pra ir ajustando a medida. Pode seguir a Fernanda."
A enfermeira o aguarda na porta, vão até a farmácia e ele toma o comprimido que lhe é oferecido.
"Daqui a pouco começa uma oficina de T.O. Quer participar?"
Torcida organizada? Pensa Fausto. Não deve ser isso...
"O que é T.O.?" Pergunta.
"Terapia ocupacional. É bem leve e divertido, você vai ver."
Entra na sala, há outra enfermeira e uma voluntária que o convida sentar em uma das mesas. Há outros seis pacientes. Figuras peculiares. Alguns apontam lápis, outros cortam folhas A4 ao meio e separam em montinhos e um está sentado parado olhando o espaço entre suas mãos pousadas na mesa.
Após as apresentações a voluntária explica o que vai ser feito. Criar uma espécie de caderno artesanal pessoal. Fausto acha aquilo meio infantil, mas acha uma brincadeira interessante. Com o desenrolar da atividade nota que seus colegas tem os dentes em frangalhos, alguns não os têm. Em sua frente, do outro lado da mesa, há um velho bem magro com os braços e pescoço tatuados. Usa um boné surrado onde pendura um cigarro pela metade próximo à orelha. Lê a figura de Fausto e diz:
"É tranquilo, acabando aqui é ir pro pátio e aguardar o almoço."
Não consegue tirar o filme Bicho de Sete Cabeças do pensamento. Porém o ambiente lembra mais uma escola do que um hospício, mesmo só tendo maluco lá. Isso conforta Fausto, que não se sente tão isolado ao perceber que existem pessoas tão ou mais estranhas do padrão socialmente aceitável do que ele.
No pátio quem não fuma, dorme. Há uma televisão ligada, mas ninguém parece dar muita atenção. Um velho o convida para jogar dominó, juntam-se mais dois jogadores. Jogam quatro partidas, ganha a primeira e perde as outras. O tempo passa lento até que uma funcionária chama para o refeitório. Já comeu refeições piores e pagou, devora o arroz, feijão, frango ensopado e salada com gosto.
De volta ao pátio aguardam a próxima chamada. O médico o chama e pergunta se melhorou.
"Vai indo, vai indo..." Fausto esquiva.
Há algumas galinhas no jardim anexo à área de fumar. Elas ciscam por entre as bananeiras e pés de jabuticaba.