Humor negro
A gente fugiu pro sertão.
Raimunda mais eu e os meninos.
Pegamos nossas poucas coisas.
Saímos da vila rapidamente.
Fomos pro meio do mato,
de volta pro sitio dos meus pais.
Pelo menos ali não morreríamos de fome.
E estaríamos protegidos da violência.
Tínhamos sido expulsos por jagunços.
Tomaram a nossa casinha na vila.
O coronel Ambrósio determinou.
Ele fazia e desfazia: mandava em tudo ali.
No prefeito, no juiz, no delegado, no padre...
Até em Deus, diziam.
Mas eu não acredito nisso.
Deus é maior.
Água no sertão tem pouca.
Tinha mais boca para beber agora,
o pai falou.
Tocou cavar um poço novo,
ele me ajudaria.
Então cavamos, cavamos, tinha pedras no caminho.
Minha visão ficava turva por vezes.
Foram muitos dias de cavação.
Os meninos ajudavam um pouco.
Raimunda ajudava bastante.
Meu pai mais ainda.
Mãinha cuidava da casa e da comida.
Pouca, mas suficiente para nós todos.
O poço ia indo terra adentro.
Cavamos tanto que um dia encontrei um óleo negro.
Era petróleo, começou a sair devagar,
como água muito suja.
Mas depois esguichou da terra, me deixou preto de óleo.
Foi difícil sair do poço, mas pai me acudiu logo.
Logo vamos ter máquina instalada no sítio.
Vai bombear, extrair óleo negro da terra.
O dinheiro também vai jorrar na conta do banco, disseram.
Não consegui tirar toda a pretidão
daquele primeiro óleo que caiu sobre mim.
Ainda estou bastante escuro.
Eu rio muito da situação quando tomo banho.
Acho que isso é o tal do humor negro.