Vida Incerta
Juliana e Vítor se conheceram na praia, em Ipanema, posto 9, onde a galera jovem sempre se reunia. Foi lá que começaram a conversar e a passar mais tempo juntos ... foi lá que sentiram que algo mais estava rolando, enquanto tomavam uma água de coco, trocando olhares e frases insinuantes. Um dia, depois da praia, Vítor a chamou para irem ao Bar Garota de Ipanema, na Vinicius de Moraes, e entre pasteizinhos e chopes, sentiram que tinham sido feitos um para o outro.
Era impressionante a sintonia entre eles. Ela, 21 anos, terminando a faculdade de Direito... ele, 25, já advogado, trabalhando com o pai e o irmão mais velho, no escritório de advocacia da família, no centro da cidade. Ela ainda morava com a mãe viúva e ele já tinha o apartamento dele. Torciam pelo mesmo time, gostavam de praia, de malhar, curtiam filmes de ação, comédias e romances, de comida japonesa... tinham posições políticas semelhantes, gostavam de piadas e músicas americanas antigas dos anos 80, 90... era tanta sintonia, que nem parecia verdade. Pareciam estar vivendo um conto de fadas moderno.
Naquela mesma noite, Juliana, com pesar, recusou o convite de Vítor para ir ao seu apartamento, pois estava em período de provas, mas marcaram um sushi no apartamento dele, no fim de semana, até porque, ela queria se preparar... queria estar bem arrumada, com unhas e cabelos feitos e a depilação em dia e ele, por sua vez, não se chateou, pois tinha trazido trabalho para casa.
No sábado, Juliana foi ao salão retocar as raízes dos seus longos cabelos louros mechados, pintou as unhas em tom clarinho e depilou-se. Em casa, tomou um banho demorado, fez uma maquiagem levinha, colocou um vestido sensual e seu perfume preferido. Ele foi à academia malhar e, depois de dar uma passadinha na praia para ver os amigos e pegar um bronze, comeu um sanduíche e foi para casa descansar... mais tarde, pediu o delicioso sushi do Manekineko, que chegaria por volta das sete, recebeu a linda orquídea que tinha encomendado para presentear Juliana e foi tomar um longo banho, fazer a barba e ficar bonito e gostoso para agradar à sua deusa. Os dois estavam ansiosos por aquele encontro.
Quando Juliana chegou, toda linda e cheirosa, Vítor, com seus encantadores olhos verdes e seu charme irresistível a hipnotizou. Ele a tomou em seus braços e a beijou ali mesmo na porta, primeiro de leve, depois febrilmente, abraçando-a forte. Uma eletricidade percorreu-lhes os corpos. Ele tinha deixado o som tocando músicas lentas e envolventes, o que os deixou ainda mais excitados. Foram tirando a roupa na sala mesmo e o sushi ficou para depois. Aqueles dois dias sem se verem parecera uma eternidade e eles não quiseram perder tempo. Na cama se amaram deliciosa, louca e apaixonadamente, do jeitinho que sonharam que seria. Depois de satisfeitos de tanto amor, ele emprestou uma camisa dele para ela e foram comer o sushi e conversar um pouco antes de voltarem para um segundo round, no quarto.
No domingo, ele acordou e preparou um café para ela, suco de laranja, omelete e torradas, tudo uma delícia. De tarde, almoçaram num barzinho ali perto e foram ao cinema. No final do dia, ele a deixou em casa e, depois de muitos beijos e amassos, ficaram sonhando com o próximo encontro. Ambos se sentiram tão bem um com o outro, que parecia já se conhecerem há séculos.
A mãe de Juliana, muito ligada à filha, já havia percebido um brilho diferente naqueles belos olhos castanhos e perguntou-lhe o que estava acontecendo, ao que Juliana respondeu: “Mamãe, estou amando como nunca amei. Quero te apresentar ao Vítor, mas tenho medo de estar apressando as coisas e assustá-lo...”
Na segunda, no escritório, o pai de Vítor também comentou com ele a mudança notada e ele confessou-lhe que havia achado a mulher com quem queria passar o resto de sua vida. Disse-lhe, ainda, que queria apresentar Juliana à família, mas pensava ser cedo demais e que talvez fosse melhor esperar mais um pouco para não parecer muito ansioso.
Juliana e Vítor trocavam mensagens várias vezes durante o dia e, à noite, antes de dormirem, se ligavam, e conversavam longamente, trocando comentários picantes, sendo sempre difícil desligarem... ficavam naquela tolice de quem está apaixonado, dizendo: “desliga você primeiro”, até que um deles tomava a iniciativa, mandando inúmeros beijos. Formavam um lindo casal, uma coisa rara de acontecer assim tão naturalmente e tão rapidamente. Combinaram de se encontrar para jantar na quinta-feira daquela semana.
Na quarta, quando Vitor voltava de uma audiência no fórum, seu celular tocou...ele não costumava atender na rua, mas era Juliana (ele tinha atribuído a ela um toque diferente) dizendo que estava morrendo de saudade e que gostaria que o jantar de quinta fosse na casa dela, pois sua mãe queria muito conhecer o príncipe encantado que lhe roubara o coração...ele sorriu e aquiesceu, todo feliz, avisando que levaria um vinho especial.
Pouco depois de guardar o celular no bolso, já perto do prédio onde ficava o escritório, viu-se cercado por três pivetes que foram logo dizendo:” Perdeu, Mané! Passa o celular, o relógio, a carteira e fica quietinho... não dá bandeira!” Vitor se assustou e fez um movimento brusco, o que lhe custou a vida. Um dos marginais, armado, disparou à queima roupa nas costas de Vitor que caiu morto. Seu coração apaixonado fora diretamente atingido pela bala. Os criminosos rapidamente fizeram a limpa nele, pegando a carteira, o relógio e o celular de Vítor e saíram correndo, cada um para um lado. As pessoas se amontoaram em volta do pobre rapaz, tão jovem e bonito, agora morto, estendido na calçada da rua movimentada do Centro da cidade. Ali jazia uma vida promissora, com todo um futuro pela frente, sobre a poça de sangue que se formou... ali também morriam os sonhos, os projetos, o amor recém descoberto...a felicidade que o esperava e que os delinquentes assassinos lhe roubaram, junto com o celular, a carteira e o relógio.
Alguém chamou a polícia, alguém o reconheceu e chamou o pai e o irmão do Vitor que, desesperados, choraram sobre o corpo do rapaz tão amado. Algumas pessoas se comoveram e também choraram... um jovem tão bonito, tão bem vestido, deitado sobre uma poça de sangue, seus lindos olhos verdes, antes brilhantes, agora embaçados pela brutalidade do crime do qual fora vítima. Juliana, coitadinha, ficou sabendo da tragédia quando ligou novamente para o Vítor e o meliante, friamente lhe disse: “Aê, teu noivinho já era, sinto muito... este celular agora é meu.”
A vida é mesmo muita incerta, muito absurda, muito injusta... num repente, ela acaba estupidamente, ainda mais com essa violência insana que assola o Rio de Janeiro. Provavelmente, este será mais um crime que ficará impune... provavelmente, se os bandidos forem pegos, algum juiz tendencioso, com valores invertidos, achará que os pobres menores são apenas vítimas da sociedade que tentam obter o que não têm, assaltando e matando por um celular… e ainda há de mandar tirar-lhes as algemas, na audiência de custódia, e oferecer-lhes um café, perguntar-lhes se estão com frio e ofertar-lhes um agasalho, depois de indagar-lhes se foram bem tratados pelos policiais.
Estes são tempos difíceis e sombrios em que imperam a desordem, a injustiça, a falta de valores, a banalização da vida, a inobservância das leis e a seletividade na sua aplicação.
*Eu não posso ver mais jovem de 14, 15 anos assaltando e sendo violentado, assassinado pela polícia, às vezes inocente ou às vezes porque roubou um celular...” LULA
*Eu, por exemplo, sou a favor do assalto...eu penso assim, tem uma lógica no assalto... eu não tenho uma coisa que eu preciso, fui contaminado pelo capitalismo...” MARCIA TIBURI
Ouvindo Bread - If (lyrics)