Minha primeira morte
Não entendia antes como ela me tratava. É estranho, pois o papel dela era me amar, ou pelo menos é o que dizem que deveria ser. Não tenho muitas memórias, parte disso foi culpa dela, mas as que tenho, em sua maioria, são ruins. Não conseguia prever seu humor, em um momento dizia que me amava, me abraçava e demonstrava carinho como nunca antes. Em outro momento, me tratava como o pior ser humano no mundo.
Por anos me senti culpado, não sei se cheguei a fazer algo para merecer isso, pois realmente não lembro da maioria das coisas que aconteceram. Lembro dela e suas amigas se trancando em um quarto para usar algo que ela não podia me contar; lembro de acordar e procurar por ela mas sem sucesso de achar pois ainda estava trancada naquele quarto e lembro vagamente de passar fome por conta disso, de ter medo de estar sozinho.
Engraçado, tinha medo de ficar sozinho, de não ter ela perto de mim nessa idade. Mas quando cresci, depois de um tempo após morar com ela novamente, tinha medo de estar perto dela... Tinha medo dela.
E isso não deveria fazer sentido, pois não é natural ter medo daquela que devia te amar mais do que qualquer um. Realmente não sei explicar, mas foi algo que se tornou natural com o tempo. Em meio àquela escuridão que me encontrava, eu só queria fugir, queria ser amado por ela, queria que fosse o contrário: ela me puxando da escuridão, não me afundando nela.
Um tempo passou, o estresse aumentou e eu já não sabia mais quem eu realmente era e o que estava acontecendo. Certo dia a dor parecia estar pior que antes, acordei com um sentimento horrível, parecia que algo ruim iria acontecer se eu deixasse o quarto onde estava. Precisava da sua permissão para não ir para casa, decidi ligar, achando que ela entenderia. Afinal, ela me ama, não? Ela vai entender!
"Tu tá sempre inventando algo novo né". Eu morri ali. Por mais que eu tivesse pensado em morte antes, apenas pelo fato de querer me livrar daquela dor que eu não compreendia, das vezes em que fui dormir pensando que seria melhor se eu nunca tivesse nascido... Nada doeu tanto quanto naquele momento. Nada.
Não lembro como terminou a ligação, pois só lembro do meu corpo, da minha alma afundando na escuridão depois daquela maldita frase. Lembro de desligar o telefone e, totalmente desnorteado, sem chão, ir até a cozinha fazer algo. Naquele momento vi uma faca, pensei bem e a peguei. Muitas memórias de uma só vez, desespero, a faca se aproximando do meu abdômen e eu pressionando contra. Enfim, paz.