"FILHOTE E CRUZ CREDO" Conto de: Flávio Cavalcante
FILHOTE E CRUZ CREDO
Conto de:
Flávio Cavalcante
Em uma cidadezinha do interior, onde todo mundo sabia da vida de todo mundo, vivia Olavo, um homem conhecido não só pela arrogância, mas também pelo veneno de sua língua. Ele se achava o galã do lugar, o único capaz de "escolher" mulheres, como se estivesse no alto de um pedestal que ele mesmo construiu.
— Essa aí tem o nariz torto, não serve.
— Aquela ali? Meu Deus, tem a perna fina. Coitada!
— Mulher de primeira linha tem que ser assim, ó... PERFEITA.
Olavo nunca deixava escapar uma oportunidade de humilhar as mulheres, apontando supostos "defeitos" que ele mesmo inventava. Seu olhar crítico era tão afiado quanto cruel, e suas palavras magoavam até as mais confiantes. Para ele, todas eram inferiores.
Porém, a vida de Olavo tinha um mistério: ninguém nunca tinha visto a mulher dele. Ele dizia que era “uma deusa”, alguém tão perfeita que não precisava se expor. Isso apenas alimentava sua aura de superioridade.
Um dia, durante uma festa na praça principal, alguém resolveu pôr um fim no mistério. Dona Carminha, a costureira da cidade, conhecida por sua língua ainda mais afiada que a de Olavo, resolveu tomar coragem.
— Olavo, todo mundo aqui já ouviu você falar das mulheres. Agora a gente quer ver a sua. Cadê a tal deusa?
O silêncio tomou conta da festa. Olavo tentou desviar o assunto, mas as pessoas começaram a insistir. Pressionado, ele finalmente cedeu:
— Tá bom, eu trago ela na próxima festa. Mas aviso logo, vocês vão ficar com inveja.
A ansiedade tomou conta da cidade, e no dia marcado, todos esperavam para conhecer a mulher que Olavo tanto escondia. Quando ele chegou, segurando a mão de sua esposa, o impacto foi imediato.
A mulher de Olavo não era o que ninguém esperava. Pequena, desajeitada, com os dentes desalinhados e uma expressão que misturava timidez e desconforto, ela parecia saída de uma história de terror infantil.
— Cruz credo! — alguém sussurrou alto o suficiente para ser ouvido por todos.
O silêncio virou um mar de cochichos, risadinhas e olhares surpresos. Olavo ficou vermelho de vergonha, mas sua mulher parecia alheia à situação, apenas sorrindo e acenando para quem olhava.
Dona Carminha, sempre esperta, aproveitou a oportunidade:
— Então, Olavo, você que gosta de apontar o dedo pros outros... não tem nada a dizer hoje?
Ele tentou responder, mas as palavras não saíam. Aquela situação o desarmou por completo.
A esposa, por outro lado, tomou a palavra:
— Gente, sei que não sou a mais bonita, mas Olavo sempre diz que me ama como sou. Não é, meu bem?
A ironia era clara, e o constrangimento de Olavo atingiu o ápice. Naquele dia, ele sentiu na pele o que tantas mulheres haviam sentido por causa de sua língua ferina.
Depois disso, Olavo mudou. Passou a ser mais humilde, menos crítico, e começou a respeitar mais as pessoas.
A lição ficou gravada na mente de todos: A verdadeira beleza não está em quem a gente escolhe julgar, mas na forma como escolhemos enxergar os outros.