Momento Oportuno

Era um dia como outro qualquer. De sol? Talvez, não sei.

Manuel estava na paragem do eléctrico em Lisboa a ler o jornal e a ver o tempo passar, o tempo e as pes-soas, sempre observador. Tinha vindo de Castelo Branco visitar a sua irmã a Lisboa, sempre que o fazia gos-tava de passear na capital.

Alcide estava perdida. Queria ir com a sua madrinha a casa duma amiga, perto do Museu dos Coches mas nunca tinha vindo a Lisboa. Viu um jovem da sua idade, de bigode bem arranjado, olhos bem bonitos e com ar de quem conhecia a zona... Alcide não sabia, nem sabe, o que é ser tímida e logo vai ter com Manuel para lhe perguntar o caminho para o Museu.

Manuel, mais tímido, mas encantado com a beleza de Alcide logo lhe diz que era para lá que ia e que, se as senhoras o deixarem, terá todo o prazer de as acompanhar ao destino.

Lá foram. Alcide e Manuel, a madrinha cujo nome se perdeu no tempo…

Chegados ao destino Alcide e Manuel despediram-se com um aperto de mão, respeitoso aperto de mão, já que esta história se passa nos finais da década de 30, do século passado.

Quando Alcide e a sua madrinha entram na casa da amiga, Alcide comenta com elas que nunca tinha conhe-cido jovem tão encantador, tão respeitoso.

E Manuel… bem, ele não pode comentar com ninguém. Levantou apenas a ponta do bigode, num gesto que se tornaria a sua imagem e esperou… sentou-se e esperou.

Ainda dentro de casa, enquanto bebiam o chá, Alcide aproxima-se da janela e vê Manuel à espera… sem perceber muito bem de quem.

Quando acabou o lanche eram horas de voltar a casa. Alcide e a madrinha saíram de casa e, claro, Manuel lá estava, à porta. Nem a Alcide disse que o tinha visto à espera, nem Manuel disse que tinha esperado por ela.

Alcide, sempre a mesma Alcide, descarada, pergunta-lhe se ele sabe qual a melhor maneira de ir, de trans-portes públicos, para o Barreiro. A resposta foi rápida:

- Curioso, é mesmo para o Barreiro que vou, se as meninas me deixarem terei todo o gosto em acompanhá-las.

E acompanhou…

Acompanhou-a quando ela fugiu de casa para casar com ele, porque os pais dela não o aceitaram bem.

Acompanhou-a quando os pais dela, resignados, os aceitaram de volta para que vivessem perto.

Acompanhou-a quando ela teve a primeira filha, depois a segunda…

Acompanhou-a quando ela adoeceu a primeira vez, quando passaram por dificuldades, em que o dinheiro mal chegava para alimentar as duas filhas…

Acompanhou-a quando a vida começou a melhorar, quando as filhas casaram, quando nasceram os netos… depois os bisnetos.

Num dia de chuva, cinquenta e dois anos depois do tal dia que ninguém sabe se era de sol, Manuel deixou de acompanhar a mulher que sempre amou, a família que conhecia bem o seu bigode e aquela sua maneira especial de o levantar quando apenas podia sorrir por dentro… Deixou, como herança, a sua maneira de ser e de estar e o amor que sempre sentiu por todos

Pedra Filosofal
Enviado por Pedra Filosofal em 19/01/2008
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