A professora do Felipe disse (ou Sobre o poder II)
A professora do Felipe disse que ele poderia fazer tudo o que quisesse na vida. Bastasse que impusesse em suas ações vontade, esforço e repetição, Não foi, de fato, o que a vida mostrou-lhe no decorrer do tempo…
Por mais que quisesse e treinasse, jamais conseguiu (e jamais conseguiria) jogar como seu amigo Thelmo. Este era elegante nos gestos, com soluções inesperadas para um menino de dez anos dentro do campo de jogo. Havia entre Thelmo e a bola uma cumplicidade nunca vista. Thelmo conduzia a bola como queria. Felipe não.
Felipe não era tão flexível quanto seus colegas de classe. Por mais que se esforçasse, o máximo que conseguia era tocar com as pontas dos dedos das mãos as canelas. Por mais que se esforçasse, era sempre um dos últimos nos testes de flexibilidade.
Também não podia desenhar como alguns da turma, aqueles que nascem com a facilidade natural para as artes plásticas. Não podia, ainda que tenha havido interesse e suor. Os traços eram grosseiros, a pintura borrada, entregando problemas de motricidade fina.
Não podia andar de caiaque. Não podia jogar bem o voleibol. Não podia comprar o melhor console e jogos para o mesmo. Não podia comer pizza com refri quando bem quisesse. Não podia ficar mais do que um dia na praia no verão.
E não podia ter a atenção de Karine.
A Karine era bela! Um distanciamento social, ainda que convivessem no mesmo ambiente, tornava infrutífera todas as investidas de Felipe a ela. Os olhos de Karine eram duas turmalinas verdes claras que sempre lembravam a Felipe o quanto poderia ser feliz com ela. Fazê-la feliz.
Ser feliz com ela e fazê-la feliz era uma questão de poder. E assim como tantas coisas demonstradas, Felipe não podia.
Florianópolis, 05 de janeiro de 2025.
Cleber Caetano Maranhão