Contos No Japão
Sob as Sombras do Ciúme
As semanas que se seguiram ao Festival da Primavera trouxeram mudanças sutis, mas perceptíveis. O trio que costumava caminhar lado a lado pelas ruas tranquilas de Quioto agora parecia deslocado, como se cada passo fosse medido, cada palavra cuidadosamente escolhida. O ar fresco da primavera começava a ceder lugar ao calor tímido do verão, e as cerejeiras, outrora repletas de flores, agora exibiam galhos nus, com folhas surgindo lentamente, como se também sentissem o peso do que estava por vir.
Hiroshi, sempre o mais falante, tornou-se mais quieto. Embora mantivesse seu sorriso característico, aqueles que o conheciam bem, como Kazuo, percebiam que algo havia mudado. Durante as aulas, ele lançava olhares furtivos para Aiko e Kazuo, que frequentemente compartilhavam conversas baixas e intensas, suas cabeças inclinadas uma para a outra sobre um livro ou caderno.
Certa tarde, enquanto o sol projetava sombras longas nas ruas, Hiroshi se aproximou de Kazuo na saída da escola. O céu estava tingido de laranja, e o canto das cigarras preenchia o ar.
— Você tem passado muito tempo com Aiko ultimamente — Hiroshi começou, sua voz leve, mas com um tom que parecia forçado.
Kazuo, que estava ajustando os óculos, olhou para ele com surpresa.
— Estamos apenas estudando. Ela gosta de literatura e pediu minha ajuda.
— Ah, claro. — Hiroshi riu, mas o som parecia vazio. — Só espero que você não esteja esquecendo que amizades vêm antes de... outras coisas.
Kazuo franziu a testa, mas antes que pudesse responder, Hiroshi deu-lhe um tapinha no ombro e continuou andando, assobiando uma melodia desconexa.
Aiko e Kazuo
Enquanto isso, Aiko parecia alheia à tensão crescente. Ela continuava a se aproximar de Kazuo, não de maneira intencional, mas porque sentia uma conexão natural com ele. Havia algo reconfortante na maneira como ele ouvia, como seus comentários eram ponderados e gentis.
Uma tarde na biblioteca, enquanto o sol penetrava pelas janelas altas, lançando retângulos dourados no chão, Aiko interrompeu o silêncio.
— Você acha que a felicidade é algo que se pode controlar? — perguntou, folheando distraidamente um romance clássico japonês.
Kazuo levantou os olhos do livro que lia.
— Acho que controlamos como reagimos ao que acontece, mas não o que nos faz felizes.
Ela sorriu, pensativa, e sua mão pousou levemente sobre o livro dele, como se quisesse chamar ainda mais sua atenção.
— Gosto disso. Você sempre faz o mundo parecer mais simples.
Ele corou ligeiramente, mas antes que pudesse responder, ouviram o som de passos apressados. Hiroshi entrou na biblioteca, sua presença vibrante contrastando com a calma do lugar.
— Aiko, você esqueceu que prometeu assistir ao meu treino hoje?
Ela piscou, surpresa, e então sorriu desculpando-se.
— Ah, Hiroshi, me desculpe! Eu me perdi no tempo.
Kazuo observou em silêncio enquanto ela recolhia suas coisas. Hiroshi lançou-lhe um olhar rápido, algo entre triunfo e desconfiança, antes de sair com Aiko a seu lado.
O Jantar em Família
Mais tarde, naquela semana, Hiroshi convidou Kazuo e Aiko para jantar em sua casa. Seu pai, o mestre de ikebana, havia criado um arranjo de flores deslumbrante para a ocasião, com cores vibrantes que contrastavam com o ambiente simples e acolhedor da sala.
Durante o jantar, enquanto os adultos conversavam, Hiroshi esforçava-se para ser o centro das atenções, contando histórias engraçadas e fazendo piadas que arrancavam risadas de Aiko. Kazuo, no entanto, manteve-se mais reservado, respondendo educadamente, mas sem entusiasmo.
Em certo momento, Aiko elogiou a comida.
— Sua mãe cozinha maravilhosamente, Hiroshi.
— Obrigado, mas é porque ela teve sorte de me ensinar. — Ele piscou para Aiko, mas a brincadeira pareceu deslocada.
Kazuo, que até então estava calado, comentou com um sorriso discreto.
— Na verdade, dizem que o talento dela é lendário aqui na vizinhança.
Aiko riu, mas o sorriso de Hiroshi diminuiu. Ele mudou de assunto rapidamente, mas a tensão entre eles era evidente.
Um Gesto Revelador
Na semana seguinte, durante uma manhã chuvosa, os alunos se reuniram no corredor da escola, esperando a chuva diminuir antes de irem para casa. Hiroshi ofereceu seu guarda-chuva a Aiko.
— Vamos, vou acompanhá-la.
Antes que ela pudesse responder, Kazuo surgiu segurando um guarda-chuva simples, mas grande o suficiente para dois.
— Aqui, Aiko. Pode usar este.
Ela olhou para os dois, hesitando.
— Obrigada, Hiroshi, mas parece que o guarda-chuva do Kazuo é maior.
O sorriso de Hiroshi congelou, e ele soltou um riso forçado.
— Claro. Você está em boas mãos.
Enquanto Aiko e Kazuo desapareciam na chuva, Hiroshi permaneceu ali, com o guarda-chuva fechado em mãos. Seu coração estava pesado, e ele percebeu que algo em sua amizade com Kazuo estava mudando — e talvez fosse irreversível.
A sombra do ciúme pairava, cada vez mais densa, prometendo uma tempestade que os três ainda não podiam prever.
Continua....