A casa amarela
Ela ficava no alto da rua, todos que passavam viam a sua imponência, o seu glamour, como uma dama em dia festivo.
Todos queriam saber o que havia por dentro, como eram as pessoas que lá viviam e o que eles faziam, mas tinham receio de se aventurarem.
Seus muros eram altos e cobertos de verbera, por cima deles podiam-se ver árvores frondosas e sentir o doce perfume das “damas-da-noite” e das demais flores que existiam lá dentro.
Todo dia passava um carro levando pessoas dentro, às quais nunca víamos o rosto. Muitas vezes ouvia-se, ao longe, um sorriso feliz de uma criança, o grito de alguém a chamar por outra e uma resposta risonha, sempre zombeteira.
Muitas vezes me sentei do outro lado do muro e fiquei a ouvir os sons que vinham de dentro, imaginando seus rostos, seus tamanhos, os móveis... devia ter um piano enorme, o som era maravilhoso.
Sonhava com a felicidade que percebia haver naquele lar.
Um dia resolvi subir no muro para ver quem cantava tão lindo. Subi em meio aos galhos tortos de uma árvore que estava quase no final do muro, bem lá na outra esquina, onde ninguém poderia me ver. Chegando ao alto, me sentei e fiquei, embevecida e muda, a observar a linda menina; seus cachos caiam até a cintura, loiros e cintilantes, seu vestido parecia uma roupa de anjo, comprido até os pés e bem rosinha, quase branco, tão claro era sua cor. Ela estava parada ao lado de um senhor de cabelos negros, que tocava enquanto ela cantava. Formavam um duo tão fantástico que eu fechei meus olhos e fiquei a ouvir, extasiada, a melodia e o som do piano.
Acordo com uns leves toques em meu rosto, uma voz melodiosa a me chamar:
-“Senhorita, senhorita, fale comigo. Você se machucou? Como estás?”
Tento entender o que aconteceu, enquanto penso :
“Porque estou deitada nesse quarto tão lindo? Nossa como é bonito aqui dentro, que lençol macio e cheiroso, cheirinho de lavanda, e que cama alta e grandona”.
Olho para quem estava me perguntando enquanto analisava o quarto e me deparo com duas gotas de oceano a me fitar, como se estivessem com medo de que algo me tivesse acontecido.
Trato logo de acalmar essa doce criatura:
-“Estou bem, não se preocupe, apenas tive uma tontura e cai; perdão estava em cima de seu muro. Subi para ouvi-los e ver quem tocava e cantava, mas juro que não subo mais”.
Ouço, novamente, a voz maviosa a dizer:
- “Está tudo bem, não se preocupe, mas não precisava ter subido no muro, bastava ter tocado a sineta e a gente abriria o portão para você entrar”.
Conversamos um pouco enquanto me recupero e aproveito mais o conforto daquela cama gostosa, parece algodão-doce.
Levanto, ela me conduz por alguns cômodos enquanto passamos por alguns criados sérios mas muito educados, que se curvam a nossa passagem e nos cumprimentam
Descemos uma linda escada em formato de um caracol e me vejo em um salão enorme, cabe a minha casa dentro dele, cheio de quadros, sofás e tapetes. Fico engasgada com tamanha grandeza e suntuosidade.
Num dos cantos, em uma escrivaninha voltada para o sol, está um senhor de cabelos grisalhos, escrevendo e parecendo em outro mundo, completamente alheio ao que se passa a sua volta.
Entramos por uma porta, ela me oferece biscoito e chá, o que eu não aceito, por delicadeza e por querer sair para contar a todos o que vi.
Passamos novamente perto do senhor e, novamente, ele nem percebe a nossa presença, imerso em seus devaneios e desenhos.
A linda menina faz sinal de silêncio e nos retiramos; lá fora ela me toma pela mão, me leva até o portão e me diz:
_"Prazer! Eu sou Serena. Volte quando quiser".
Feliz com a atitude delicada, dela eu perco meu medo e me atrevo a perguntar:
-“Quem é o moço que estava a escrever?”
Ela olha para mim, com cara de espanto, e pergunta:
-“ Você não conhece? É o meu avó, é o dono da casa amarela.”
Eu falo novamente:
-“Porque ele estava tão distraído? Ele não nos viu passando por ele”.
Ela me responde, como se fôsse algo muito natural e simples: “AH! Ele é assim mesmo, ele é poeta”.
Anjo KM