Quase morte

Eu estava sentado no sofá da sala, assistindo à televisão. Na verdade, estava completamente distraído em meus pensamentos e a TV falava ao vento. Havia pessoas na casa, mas na sala estava só eu. Fazia muito calor, as portas e janelas estavam abertas e ouviam-se músicas e falatório na vizinhança, era um domingo como outro qualquer. Senti uma pontada no peito, como se tivesse sido perfurado por uma agulha fina. Passou. Depois uma dor forte no ombro esquerdo, tal como uma simples dor muscular. A dor aumentou e tive uma sensação de desmaio. Percebi que estava mal e gritei por socorro. A dor no ombro se espalhou pelo braço e pelo tórax e me veio uma sensação aguda de falta de ar. Apaguei. Lembro-me vagamente, estando ainda em casa, dos socorristas do corpo de bombeiros e das pessoas ao meu redor, desesperadas. Mesmo desacordado era possível sentir o desespero daqueles que estavam próximos. Eu estava sendo acometido por um sério infarto.

Já no hospital, eu me vi em uma maca, rodeado por médicos e enfermeiros. Não sentia dor, na verdade, sentia uma incrível leveza e meu corpo começou a se elevar e eu me via acima de todas as pessoas ali naquela sala. Conseguia ver as coisas em 360 graus: enxergava amplamente a sala. Era visível o desespero da equipe; ouvi alguém dizer “estamos perdendo ele”. Lembro com clareza dos detalhes da cena. Eram quatro pessoas, três homens e uma mulher, todos vestidos em um uniforme azul e com máscaras no rosto. Um homem mais baixo, um oriental, parecia ser o médico, estava agitado e dava ordens.

Após restabelecido, contei esses detalhes para os funcionários do hospital que ficaram abismados, pois meus relatos conferiam com as informações que eles tinham: era tudo real. Conversei com vários funcionários a respeito e cada vez mais me convencia de que minha alma havia passeado livremente pelo hospital, enquanto meu corpo era tratado pela equipe médica. Uma diretora veio até mim e me pediu para evitar aqueles relatos, pois seriam, provavelmente, lembranças dos meus delírios enquanto ainda inconsciente. Mais tarde soube que, pelo fato de tratar-se de um hospital católico, esse tipo de assunto não deveria ser tratado, não daquela forma. Eu me calei sobre isso então. De fato, eu me empolguei com o que havia presenciado no hospital, pois aquilo tudo não tinha parâmetros em minhas crenças ou em minha experiência. Concordo que era tudo meio fantástico e absurdo. Mas era real, e disso eu não tinha dúvida.

Ao mesmo tempo, em que a equipe trabalhava incansavelmente para me salvar, minha alma vagava, e agora não estava mais no hospital. Estava num lugar muito iluminado, um jardim com árvores, palmeiras, flores e um gramado de um verde intenso. A sensação era de paz absoluta, como nunca havia sentido antes. Imperava o silêncio, mas ouviam-se cantos de pássaros e uma música suave, tal qual músicas clássicas, porém mais leve e envolvente. Ouviam-se vozes. Dois seres muito iluminados se aproximaram e ficaram me observando sem nada falarem. Eram altos e tinham contornos humanos, mas era tudo muito sutil e suave, em nada parecido com nossas formas humanas grosseiras. Eu agora estava em meio a um nevoeiro denso, na verdade, era uma nuvem, como essas nuvens que a gente vê somente no céu, mas eu estava no meio dessa nuvem. À minha frente se formava um túnel com paredes de matéria vaporosa e no final desse túnel apareceu uma luz branca, de um brilho intenso, porém não agressivo aos olhos. Mantive os olhos abertos. Tive impulso de ir para aquele clarão. A paz me dominava e o desejo era de seguir em direção àquela luz. Tudo era bom demais. Os dois seres ainda estavam próximos e me falaram, não com voz humana, mas como que por ondas telepáticas ou coisa do tipo “você tem que tomar a decisão, pode seguir ou voltar para sua vida anterior. A decisão é sua, mas lembre-se que sua missão na terra precisa ser concluída; existem coisas ainda por fazer. A decisão é sua”. Uma dúvida gigante tomou conta de mim: por um lado, seguir aquela luz me indicava que isso me levaria a tempos de paz e felicidade completa, como nunca senti antes. Por outro lado, tinha que considerar a minha vida na terra, minha família que dependia de mim e muita coisa ainda inacabada, assim como me alertaram os seres iluminados. Os seres se posicionaram ao meu lado e apontaram para outra luz, que rapidamente se transformou em uma espécie de projeção de um filme numa tela gigante em 360 graus, onde pude ver, diante dos olhos, passar toda minha vida. Tudo era de uma clareza absurda, o passado surgia como se fosse o presente, mesmo aquelas memórias mais remotas, ficaram estampadas nítidas em minha frente. Perplexo, não conseguia fugir, nem fechando os olhos, aquelas imagens estavam por todo lado. Tempos de criança, adolescência, odores, sensações, sentimentos, idade madura, emoções, como se eu estivesse realmente vivendo naqueles dias. Num outro instante, meus erros começaram a sobressair e isso me fez mal. Fiz muita gente sofrer e chorar: equívocos e ações propositais revisitaram; tudo jogado na minha cara e eu completamente impotente e sem ação. Não foi fácil, o choro foi inevitável. As minhas fraquezas, incluindo orgulho, egocentrismo e vaidade, tornaram-se evidentes. Foi muito embaraçoso testemunhar isso, nunca imaginei que todas as nossas ações estivessem armazenadas em algum lugar; senti-me vulnerável e exposto. Mas no final das contas entendi tudo aquilo e fiz então minha opção, estava certo que deveria voltar.

Acordei numa cama do hospital, em um apartamento simples, não era UTI ou algo do tipo. Sentia dores no peito e formigamento nas pernas. E frio. Aquela leveza anterior foi embora e o corpo parecia pesado, denso… difícil de explicar. Mas meu interior estava diferente, é como se tivesse sido tocado por algo muito especial e isso permanecia em mim, mesmo agora que voltando a realidade. Ali naquela cama tive a certeza de que eu nunca mais seria o mesmo, que tomaria rumos bem diferentes do que havia tomado antes e isso aliviava minhas dores, acalmava minha mente e me motivava a viver.

O tempo passou rapidamente e nunca mais aqueles acontecimentos saíram dos meus pensamentos. Tudo mudou! Sinto que tomei a direção da minha vida, encontrei a felicidade e meus dias são mais leves, junto à família, as pessoas que gosto, sem excessos, amando o próximo e mais perto de Deus. Muito diferente daqueles tempos difíceis anteriores à experiência, em que dada a proporção dos meus problemas, via o suicídio como única saída e que por sorte, muita sorte, não cheguei a tanto.