O orgulho de Pompeu

Orgulhoso em seu terno muito bem cortado, Pompeu adentrou a câmara dos vereadores para mais uma sessão. Ocorreriam várias pautas naquele dia e o recinto estava lotado, gente de todo tipo, inclusive figuras importantes daquela cidadezinha como o Juiz, o Padre e o Prefeito. Cumprimentou a todos. Conversava de igual para igual com as autoridades, mesmo com seu português precário. Ha muito tempo havia abandonado seu apelido e não permitia que o chamasse por “seco”. Conhecidos que se atrevessem a chamá-lo pelo apelido eram repreendidos.

O apelido veio do tempo de colégio devido à sua magreza. Sempre se destacou por ser mais alto que os colegas e magro, bem mais magro que eles. Naqueles tempos ele não se importava e convivia em paz com o apelido e com as pessoas que assim o chamavam. Diziam coisas como “mapa do chile”, “de frente ou de perfil é mesma coisa”, “cuida que hoje vai ventar um bocado”… e ele simplesmente ria e seguia a vida.

Agora ele era importante, um vereador eleito com todos os méritos, membro do poder legislativo do município com poderes até para “mandar o prefeito embora”. Não dava mais tanta confiança para velhos amigos e parentes que representavam, para ele, uma etapa da vida que gostaria de esquecer. Agradava-lhe as conversas com outros vereadores, empresários, políticos, comerciantes, gente polida e educada: sentia-se à vontade nesse meio. Tinha até um cargo na mesa diretora da câmara e em breve ganharia uma assessoria na prefeitura, graças ao bom relacionamento com o vice-prefeito.

Certa vez, sua prima Rosa bateu a porta de sua casa onde também funcionava seu gabinete, lhe pedindo, aos prantos, ajuda para o tratamento do marido com câncer, “em nome da amizade que você tinha com Getúlio, por favor nos socorra, umas faxinas que você me arrume já ajuda”. Mas Pompeu ignorou-a, e a mandou embora. Havia mudado muito e não suportava mais aquelas pessoas simples com as quais havia se relacionado num passado não tão distante. Era um político reconhecido agora, e isso era o que importava.

Da antiga profissão, borracheiro, manteve a borracharia em funcionamento, de forma precária, agora pagando um empregado, seu Valter, borracheiro antigo que havia lhe ensinado a profissão. Agora Pompeu era patrão, e também se orgulhava disso.

Outro dia Pompeu caiu morto, de súbito, não pôde nem ser socorrido. “Infarto fulminante”, diziam. “Castigo de Deus pela sua soberba” diziam outros.

Pompeu chegou para mais uma reunião na câmara, estava alinhado como sempre, cabelo com gel e sua pasta de couro falso em uma das mãos. Ainda não percebera que havia morrido. Confuso, não entendia por que as pessoas não respondiam aos seus cumprimentos. Na sua confusão mental agia como se tudo estivesse caminhando normalmente, conversava com as pessoas (mesmo não sendo correspondido), andava para todo lado. Em um primeiro momento, não lhe parecia importante o fato de ser ignorado pelas pessoas. Aquilo tudo poderia ser uma doença ou vertigem passageira. Ainda se achava importante e passou vários dias agindo como se estivesse vivo. Em um momento de maior lucidez, ao tentar estabelecer um diálogo com seu amigo vice-prefeito, percebeu que não conseguia e que era como se falasse para o nada. Tentou e não teve retorno. Sentiu-se perturbado, saiu falando sozinho e abordando os transeuntes para que o notassem, mas isso foi em vão. “Loucura será, estou ficando maluco?" pensou.

Quando perambulava pelas ruas, muito confuso, e já considerando a hipótese de que algo terrível havia ocorrido, foi abordado por um sujeito que parecia meio esfumaçado e translúcido, “Seco desgraçado, será que você ainda não percebeu que morreu. Suma daqui, procure sua luz, aqui não é mais seu lugar!”. Pompeu reconheceu naquela figura tosca o seu antigo amigo Getúlio, que possivelmente morreu de câncer, depois daquele dia em que Rosa lhe pediu ajuda. Atordoado e mesmo sem saber direito por que, Pompeu seguiu o conselho e começou procurar a tal luz. Apressou o passo e olhou para o céu e para todas as direções. No final da avenida, que agora lhe parecia uma estrada muito comprida, conseguiu enxergar vários cães (ou lobos) com aspecto demoníaco, também esfumaçados, rosnando assustadoramente. Viu também figuras humanas fantasmagóricas lhe encarando e, ao fundo, em vez da tal luz, havia escuridão, uma profunda escuridão. Apavorado tentou fugir, porém, foi atraído para o lado dos cães e dos fantasmas. Não teve escolha. Getúlio também seguiu com ele e, aos poucos, desapareceram na escuridão.