Desvio | conto de introspecção.

Naquela temporada, caminhava sob o céu aberto, pois, afinal, as nuvens não impediam o resplendor da fotosfera do Sol. De fato, aprecio o céu limpo, azul e esplêndido dessa forma, mas nada se compara a uma tarde nublada e fria, na qual se caminha, sabendo que não haverá chuva; apenas eu e o tempo. No entanto, o tempo não me pertence e, ainda assim, aprecio-o: aberto, sem hesitação. A alternância do meu estado de espírito costuma estar associada a ele, ao tempo, não segundo um critério quantitativo de sua passagem, mas conforme um aspecto qualitativo que penetra o meu ser, o meu âmago: o meu corpo se esfria quando estou bem e se aquece quando estou mal, é como se uma febre me tomasse; é um fenômeno estranho. Não sei se o estar bem ou mal são causas ou efeitos — tanto faz. Frente a isso, posso constatar que meus passeios na estação do sol, com seu protagonismo, são, costumeiramente, mórbidos, sugando-me a energia.

É-me indiferente essa narrativa temporal; quer dizer, sou ou estou indiferente a mim mesma. Não sou um vampiro ou coisa do tipo. O que eu disse não era o que eu queria dizer, aliás. Enfim. Sobre quem quero narrar, de fato, é sobre quem desconheço. Nada demais.

Eu andava por andar, observando o verde da grama, tentando perceber se a frequência luminosa que alcançasse alguma parte do meu cérebro corresponderia a um estado psicológico satisfatório, resultando, enfim, na percepção da cor. Não sei como isso ocorre, nem qual é a ordem. Às vezes, surgia aquele torpor causado pelo calor no corpo, mesclado a uma vontade de desistir, movida por covardia e um medo legítimo. Assim, de forma descontínua. Mas, nesse intervalo de tempo, notei um homem vestindo camisa de manga e calça jeans, com cabelos acinzentados e olhos miúdos. Ele segurava uma lata de cerveja, algo típico em um dia quente; no entanto, aquela vestimenta não parecia combinar muito com a ideia de um refresco alcoólico. Se o objetivo é relaxar e embriagar-se ao mesmo tempo, que ao menos seja confortavelmente trajado. Era estranho; parecia querer escapar de algo. Talvez do trabalho, da mulher, dos filhos; nunca se sabe.

Sentei-me em um banco, de frente para o sol; nunca facilito as coisas para mim, mas pouco me importa. Após algum tempo, aquele homem apareceu. Caminhou e se sentou em um banco mais distante, de costas para mim. Ficou lá por um bom período, na direção do vento, encarando o vazio e jogando algumas pedras na água do lago. Talvez ele tivesse a mesma condição que eu: o corpo precisava esfriar, como sinônimo de bem-estar, e, para isso, no caso dele, precisava beber uma cerveja gelada. Ele ficou ali, olhando fixamente para a água. Também me distraí, observando o movimento das pequenas ondas que se formavam no lago. Algumas crianças apareceram, brincando e conversando. De repente, uma delas exclamou: "Mamãe, o homem! O homem caiu no bueiro e nunca mais saiu!" Assustei-me e olhei na direção em que o homem estava sentado. Sim, ele estava lá; preocupei-me. As crianças saíram correndo e foram para o outro lado. Não entendi o porquê daquele grito. Olhei mais uma vez para o senhor, e lá continuava ele, olhando para o nada, com a cerveja na mão. Talvez ele tenha caído em um abismo do qual nunca saiu ou para o qual nunca sairá.

Mariizans
Enviado por Mariizans em 10/12/2024
Código do texto: T8216294
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