"O PAPAGAIO REZADOR" Conto de: Flávio Cavalcante

O PAPAGAIO REZADOR

Conto de:

Flávio Cavalcante

Todos o chamavam de Zé Bento, o papagaio que ficou famoso em toda a cidade como “o papagaio rezador”. Ele tinha um talento incomum para decorar rezas e recitar orações em alta voz. Mas, na verdade, Zé Bento era um dissimulado: nas horas vagas, ele soltava as melhores fofocas, transformando a casa da Dona Cotinha, sua dona, em um ponto de encontro das fofoqueiras da vizinhança.

Dona Cotinha era uma senhora conhecida por sua religiosidade e boa vontade. Toda quarta-feira ela se reunia com um grupo de senhoras da rua para rezar o terço. Era um espetáculo: elas começavam a reza, mas, em questão de minutos, a conversa ia para assuntos do bairro. E quem estava sempre atento a tudo era Zé Bento.

Quando as senhoras começavam a falar sobre a vida alheia, Zé Bento parecia rezar também. Ele abaixava a cabeça, como quem fingia concentração, e murmurava: “Ave Maria... Ave Maria...”. Assim, disfarçava o interesse, mas na verdade ele estava gravando cada detalhe.

Num belo dia, a reza correu solta, e, claro, as fofoqueiras fizeram o mesmo com a língua. Dona Cotinha começou o terço:

— Ave Maria, cheia de graça...

Mas, cinco minutos depois, a conversa já era outra.

— Vocês viram que a filha da Zefa foi vista de mão dada com aquele rapaz?

E Zé Bento, que estava num canto, espertamente virou o pescoço e começou a repetir baixinho:

— Mão dada... filha da Zefa... Ave Maria...

As senhoras ficaram pasmas e riram, achando que era só coincidência, mas não desconfiaram do talento do bicho. Nos dias seguintes, Zé Bento começou a praticar suas "orações" sozinho. Mas, ao invés de Ave Maria, ele repetia as fofocas:

— Filha da Zefa... mão dada... aquele rapaz... Ave Maria...

Logo, Zé Bento virou uma sensação na rua. Passavam as senhoras e ele soltava de repente:

— E o marido da Chica? Saiu tarde de novo! Ave Maria!

Quando elas ouviam, já olhavam de lado, meio desconfiadas, mas Zé Bento disfarçava com sua cara de santo.

Até que, certo dia, aconteceu o esperado: Zé Bento soltou todas as fofocas num só evento. Era missa do domingo e Dona Cotinha levou o papagaio, que andava "abençoado" com tanto talento para oração. Só que, no meio do sermão, Zé Bento se empolgou e soltou:

— A filha da Zefa... o marido da Chica... Ave Maria!

A igreja caiu na gargalhada, e o padre, sem saber como reagir, ainda disse:

— Pelo visto, o Espírito Santo está fofoqueiro hoje!

Aquela missa virou história no bairro. Zé Bento, o papagaio rezador, foi o assunto do mês. As senhoras nunca mais subestimaram sua inteligência, e ele, cada vez mais orgulhoso, seguiu repetindo suas “orações”.

Flávio Cavalcante

Flavio Cavalcante
Enviado por Flavio Cavalcante em 06/12/2024
Código do texto: T8213608
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