FARRAPOS E RETALHOS
FARRAPOS E RETALHOS
*Por Aclóbio Henrique Rutz Turim
- Macho e guapo, gaúcho e brasileiro ! - gritou a parteira nos primeiros raios de sol do novo dia - Na porteira da Querência a presença de São Pedro.
Carlos nasceu e cresceu em Poncho Verde no Velho Casarão, Casarão que tinha um Sócio. Ao lado de seu avô, um boiadeiro octogenário sentado ao lado do fogão a lenha, Carlos dele ouvia as façanhas heroicas sobre o povo sul-rio-grandense. - ¿ Onde fica o Alegrete, vovô ? - e mais histórias o velho passo-fundense para seu neto contava - Ao final de cada uma dessas histórias juntos eles exclamavam: - Viva o Rio Grande do Sul ! Esse guri não tinha medo de tempestade, sequer ficou com medo ao conhecer Dom Pedrito, um anti-herói daquelas verdes campinas pastoris.
Além das histórias do seu avô, Carlos também gostava de estudar. Nos dias que tinha escola, esse piá vestia seu uniforme azul com vermelho e zarpava do velho casarão, que apesar de ser casarão não tinha luxo, rumo ao colégio. Frequentava o Batuque as sextas-feiras; aos domingos a Santa Missa. Outra diversão sua era o futsal, sonhava em ser jogador do ACBF. Também queria ser jogador de futebol, jogar no Flores da Cunha na posição de meio-campista - para fazer dribles mágicos - ou na posição de goleiro - para alguém assim narrar: - Vai que é tua, C20.
Carlos ficou moço, não se tornou futsalista e nem futebolista; da Europa trouxe um capelo de engenheiro. Após um breve trabalho no Havaí ele guardou seu Diploma, abandonou seu comportamento parisiense adquirido no Velho Continente e, voltando ao Velho Casarão, que tinha um Sócio, tornou-se um tropeiro, domador, acordeonista e laçador. Então, numa roda de chimarrão, ele conheceu Iêda, uma prenda bonita e de rostinho encantador; numa entrega de cuia, num toque de mãos, ambos se apaixonaram. Entre eles era o primeiro amor, um único amor que duraria para sempre.
Naquele tempo, Carlos Barbosa percebeu que o Sócio, traindo o antigo pacto de aliança na Sociedade e, traindo ainda, o apoio que a família de Carlos Barbosa sempre lhe conferiu, apanhava mais dinheiro do que lhe era justo nos negócios do Velho Casarão sem qualquer contribuição para a labuta. Todavia, esse não era o único dos desafios de Carlos Barbosa: ora, havia um capataz, um insensato, que queria mandar sozinho no Casarão. Ainda assim os problemas não eram só esses, havia este: o País estava sob o comando de uma oligarquia que só beneficiava os próprios interesses.
Era necessário que Carlos Barbosa resolvesse essas questões; e assim o fez: desmanchou a Sociedade e, após o devido aviso prévio, demitiu o capataz - Carlos Barbosa bem se lembrava da história de um outro capataz, do tempo de seus pais, que também quis mandar sozinho e trouxe sérios problemas para a Querência -. Não obstante, após uma tensa conversa com o ex-Sócio, a Sociedade foi reestabelecida de forma mais justa. Resolvidas essas contendas, era preciso resolver a controvérsia nacional.
Nesse horizonte, disposto a tudo pelo Brasil, Carlos Barbosa foi a pé por uma autoestrada que parecia ser infinita. Junto dele, todo o esquadrão de aguerridos apoiadores numa maratona que entraria para o desporto nacional. Com força, vontade e cheios da graça foram numa só marcha, todos sendo um, desde Porto Alegre até a Capital Federal cantando esta canção
gauchesca: A Aurora Precursora.
Chegando ao destino tomaram o Poder e Carlos Barbosa se sentou na cadeira de Presidente da República. Na sua festa de posse o povo dançou fandango; teve churrasco e chimarrão. O povo se alegrou por esses homens bravos e de valor que agora comandavam o País. Nessa cadeira ele ficou por longos anos, sendo deposto e novamente reconduzido pela vontade do povo ao posto presidencial onde terminou mais um mandato e entrou para a história.
Já como ex-presidente da República brasileira, Carlos Barbosa regressou num trote apressado ao Velho Casarão, longevo Casarão por onde passaram e passam gerações virtuosas e fortes. Carlos Barbosa voltou aos antigos ofícios: não chefiava mais o País, mas a tropa. Não acalmava mais os parlamentares, mas os redomões. Não angariava mais eleitores, mas laçava cavalos e touros. Já não discursava mais no parlatório, mas discursava em sua estância ou no CTG através de acordes de acordeão. Os anos passaram e a idade lhe pesou; já não tinha mais forças para aqueles ofícios, apenas para esquentar-se ao lado do velho fogão a lenha enquanto contava para seus netos as histórias heroicas sobre o povo sul-rio-grandense: -
¿ Onde fica o Alegrete, vovô ? ... Viva o Rio Grande do Sul !
Passaram-se mais alguns anos ... Carlos Barbosa fechou os olhos e morreu numa morte nem tão traiçoeira (considerando o peso da idade); morreu feliz por seus filhos e netos estarem seguindo o seu legado, morreu feliz por saber que ele iria reencontrar a gaúcha Iêda, sua morena da mocidade com quem - por um desencontro - nunca se casou (e que partira alguns dias antes, também pelo peso da idade, deixando filhos e netos). Reencontrando-a, sorriu e acenou.
À meia-noite mais de mil pessoas se reuniram no velório naquele velho casarão. Após a guarda, sua esposa, filhos e netos o colocaram num túmulo a beira desse mesmo casarão, perto da grande figueira onde - nessa árvore- ainda estavam vivas as cigarras que testemunharam a estreia do amor naquela roda de chimarrão.
E assim foi mais um dia nos registros do Velho Casarão. Raiou um novo dia, crianças acordam, tomam café, correm soltas, livres, pulam, embolam-se, brincam de bole-bole, aprontam, perguntam onde fica o Alegrete, gritam vivas ao Rio Grande do Sul, vestem seu uniforme azul com vermelho e vão para a escola, são guris e gurias que no futuro serão como seus pais; e o Velho Casarão permanece constante, naquele canto do mundo, guardando as memórias das gerações que nele nascem e morrem, um modelo de Casa para toda a terra.
*Natural de Curitiba. Radicado em Rio Branco do Sul/PR. Bacharel em Direito. Especialista em Direito Processual Civil, Direito Constitucional, Direito Processual Penal e Direito Internacional Contemporâneo.