George Boole
George Boole
Davy F. Almeida
Eles não podiam pagar funcionários então os meninos tinham que
trabalhar. É o que eles diziam que não podiam pagar funcionários.
A gente trabalhava cortando grama, podando árvore, limpando,
varrendo. Era divertido porque um ajudava ao outro. Foi assim na
casa propedêutica. Foi assim no seminário. Na verdade, era o
correto. A gente comia e bebia sem pagar. Água e luz. Os
seminaristas tinham mesmo que cuidar da manutenção do lugar.
O que eu não concordava era trabalhar nas festas das igrejas.
Tinha festa de santo fulano, santo beltrano e santo ciclano alguém
tinha que ir lá ajudar. Era na barraca do cachorro quente. Era na
barraca do pastel. Fazer bolos. Fazer alguma coisa. O padre
responsável pela paróquia que se vire com seus paroquianos. Além
de estudar o seminarista trabalhava. Meu amigo que estava no
mosteiro também trabalhava. Colocavam os vocacionados para
trabalhar. Depois um ou dois anos te dispensavam e diziam “
verificamos que não tens vocação” e pegavam outro vocacionado.
Assim a mão de obra no mosteiro ficava gratuita, com idiotas
trabalhando de graça para a santa igreja. Até então tudo bem. O
mundo é dos espertos, não é isto que ensina Jesus? Temos que dar
valor a disciplina no trabalho. Ainda diziam: “ é um favor que a
igreja faz acolher vocês aqui” O que me deixava nervoso era ver a
amizade de religioso com os políticos da cidade. Quem é ingênuo
é cego. Quem é ingênuo não vê a maldade. Pessoas que eu
admirava envolvidos com esse tipo de gente.
Havia na cidade uma obra que supostamente ajudava moradores de rua. Um dia fui lá
com meu diretor espiritual. Era um galpão com camas de
campanha. Não havia conforto algum. Havia buracos no telhado.
Recebiam boa quantia todos os meses. Logo fiquei pensando: “
para onde vai o dinheiro” porque ninguém gasta com morador de
rua. Disse ao padre que tanto admirava: “ olha vê bem com quem
andas, porque há algo de errado com esse pessoal. Esses religiosos
não tem nada de religiosos”. Ele me disse: “ rapaz, seja simples
como as pombas e prudente como a serpentes” eu respondi: “ os
pombos transmitem doenças como criptococose, os pombos de rua
bebem água de esgoto” sempre me chamavam para ajudar aqui ou
ali. Eu era um otário. Me sentia otário. Me faziam de otário.
Eu investigava cuidadosamente. Não havia obra social eficiente
porque do dinheiro que recebiam a metade os chefões pegavam
para eles. Cargos administrativos sem o sacramento tinham muito
poder. Ordenação é para presbítero (padre) e bispo. O que não
faltava era chefe. Era tanto cardeal. Parecia cabide de emprego.
Nem sei de onde viam. Cônego, arcebispo, arce alguma coisa.
Meu pai tinha um passarinho chamado cardeal quando eu era
criança, mas ele ficou com pena da ave santa. E o soltou. Ele voou
para o céu dos passarinhos que é o lugar dos cardeais. Eu não
quero trocadilhos com estas palavras. Dia após dia caia um tampo
de reboco da velha igreja construída em 1634. feita de taipa. Pau a
pique. Tudo ameaçava desmoronar. Eu olhei para aquele lugar. Era
o passado. As pessoas querem viver no passado. As pessoas amam
o passado.
Nostalgia. Religião é nostalgia. Vivemos romantizando
o passado: “ ah porque na época do meu bisavô... na época do meu
tataravô …. era melhor” não era não. Ser humano sempre foi o
mesmo. Naquela época tinha escravidão. Tinha corrupção. A
religião é algo do passado. Para que os filhos, dos filhos, dos
filhos dos teus filhos cumpram esses deveres perpetuamente.
É um imposição sobre os filhos dos filhos dos teus filhos.
É imposição do passado sobre o futuro. Até que os filhos dos filhos
dos teus filhos mudem de opinião, você não vai estar aqui para
ver. Olhei tudo aquilo. Aquilo é fruto da mente humana. É
humano. Um deus humano. Como os gregos e romanos idealizam
deus. Um deus que precisa ir ao banheiro e fazer as necessidades.
Pediam sempre alguma dinheiro. Alguma oferta. Pensei: “ Um
Deus que precisa de dinheiro não é um Deus de verdade”.
Tudo isso era conversa a fiado. Sempre há algo por trás. Era o
império. Era o antigo império romano. Saudades deste. Saudades
do velhos tempos de poder. Eu estava pensando. Me disseram:
“ quem você pensa que é?” respondi “ penso, logo existo” disse
Renê Descartes. Eu me acordei um belo dia pela manhã. Já estava
na capela com a carolice de sempre. Eu comecei a correr.
Gritaram: “ segurem este jovem! Ele está louco! Ele pensa! Aqui é
proibido pensar. Estamos aqui para adorar.” eu corria pela ruas. Eu
era livre. Corri. Corri. Corri. Fui até a cidade. Vi os grandes
prédios e o poder dos homens. Os trabalhadores que os
construíram não desfrutaram dessas construções. Vi os grandes
impérios do dinheiro. As grandes catedrais do capitalismo. Que
tudo provém do trabalho dos outros. Que boa parte disso é
resultado da guerra, opressão e escravidão. As roupas belas feitas
por costureiras que ganham centavos. Os trabalhadores braçais
que recebem o pagamento em marmitas.
Que a vida na terra é apenas a luta pela sobrevivência. Eu conhecia filosofia. O
Sócrates, Aristóteles, Platão, Immanuel Kant, Nietzsche, Sartre...
tudo era fruto da malandragem humana contra o seu próximo. Para
obter vantagem indevida. Para se enriquecer. Até as relações
trabalhistas eram corruptas. Mesmo trabalhando o pobre era visto
como vagabundo. Gritava o status quo : “Peguem este homem ele
pensa que é livre e por isso é tido por louco. Você sabe ninguém é
livre. Nem existe verdade. Ele parou para pensar na vida e agora
está louco. A vida não é para pensar, é para viver. As animais não
pensam e vivem e provavelmente são mais felizes”
A filosofia me levou a loucura e a loucura me libertou. Eu estava
livre. Livre daquilo que me prende. Livre de dogmas e doutrinas
falsas. Eis que a mentira te escraviza e te prende. O pensamento é
liberdade. Pensar é ser livre. Que os homens temem o pensamento.
As instituições temem o pensamento. Não existe meia verdade. É
um pensamento lógico. Álgebra Booleana. Ou é verdade ou é
mentira. Não pode ser verdade e mentira. Fiz a tabela verdade.
Eco de pensamento. Irradiação do pensamento. Ideias
supervalorizadas e persistentes. Excitação. Delirium.
Todos na cidade pararam para me ouvir. Subi em cima de um carro
estacionado e fiz meu discurso. O alarme do carro disparou. Pura
filosofia. Dei uma gargalhada profunda. A gargalhada da liberdade.
A vida não é um circuito lógico. Você já leu George Boole? Já
ouviu falar em álgebra booleana? Risos. Na álgebra booleana existem
dois estados apenas. Gargalhadas. Zero e um. Ou é verdade ou é
mentira. Nível lógico. Faça a tabela verdade e vai descobrir que
não há verdade na politica e na religião. Vou lhes contar. Tem
sempre alguém querendo mandar em você. Você não precisa de
alguém para te dar ordens para que ele ganhe dinheiro. Variáveis
booleanas. Vejam. Leiam. Fiz a tabela verdade. Não há verdade.
Me desculpem tive um crise de riso. Não consigo mais parar de rir.
FIM