A praga de cupins

A praga de cupins

Davy F. Almeida

A noite eu tinha pesadelos com cupins. Eles estavam comendo

meu cérebro. Minhas mãos. Eles estavam nos meus ouvidos. Eu

vomitava cupins. Eu não sei porque os cupins sempre apareciam

nos meus sonhos.

Comecei a cantar na igreja já com vinte anos. Tocava violão e as

vezes fazia leituras. Eu gostava do padre, parecia ser um bom

amigo. Pura ilusão. ninguém é amigo de ninguém. Amigo é

dinheiro no bolso. Eu fazia atas de reunião também. Depois fui

trabalhar na secretaria paroquial. A velha igreja tinha problemas

com cupins. Toda ela era de madeira. Havia cupins no teto, no

piso, nos bancos, no órgão de tubos, e em algumas imagens de

madeira.

Todos consideram um imagem de Cristo como santa, mas

nela havia cupins também. Um velho doido junto com uma velha

esquizofrênica ficavam com um bombinha jogando veneno nos

buraquinhos da madeira para matar os cupins. Quando você

andava as tábuas da igreja rangiam. Era o barulho dos cupins. Era

o barulho de Satanás. Era o barulho da corrupção. Era o barulho

do cupins roendo a madeira. Era o cão que estava ali. Era o

Belzebu que rangia seus dentes e dava passos fantasmagóricos. Os

idiotas seguiam cegamente seus lideres, repetindo feito papagaios

as palavras por eles pronunciadas. Eram velhos com muletas,

gente desdentada. Gente desocupada. Pobres coitados.

Analfabetos. Gente sem cultura. Gente que precisa de lideres

sobre suas cabeças para lhes dizer o que fazer. Idiotas.

Na secretaria vi o volume de dinheiro que estava entrando. Eu

fazia as atas das reuniões dos padres com o prefeito, vereadores e

secretários. As obras de caridade para atender moradores de rua

eram apenas para desviar dinheiro. As cestas básicas em parceria

com a prefeitura eram superfaturadas, cada cesta básica não saia

por menos de mil reais. Havia muitas creches que lavavam

dinheiro de corrupção. Institutos de caridade que eram antros da

corrupção. Bispo passeava na Itália. Padre passeava na França.

Tinham carros muitos bons. Eu analisei e fotografei cada

documento. Tudo aquilo era nojento. A igreja estava cheia de

corruptos, a igreja estava cheia de cupins. A velha, corrupta e

maldita igreja era corrompida por ladrões e cupins. Se alguém

soltasse um santo pum ali, todo aquele lixo de madeira velha

desmoronava.

Um homem sábio está livre de lideres políticos e de lideres

religiosos. A politica não serve para nada. São carrapatos que

vivem nas costas do dinheiro e do trabalho alheio. A religião é

baseada na relação senhor escravo. Onde você é o servo ou

escravo que deve obediência ao chefe religioso. Há também os

senhores políticos. A religião anda de mãos dadas com a politica.

Todos estes possuem títulos como vossa excelência ou vossa

santidade. Trabalhar ninguém quer. Todos querem títulos.

Eu resolvi conversa com o padre sobre a corrupção da igreja.

Nesta época já havia os padres ricos, cantores e padres da

televisão. O padre me respondeu da seguinte maneira:

- Seu merdinha, filho de mamãe. Você é um retardado ao pensar

que alguém é bonzinho. Ninguém é bom. Só Deus é bom. Você já

viu alguém ajudar alguém? Obra de caridade é só para desviar

dinheiro. Pobre é só marketing para campanha eleitoral. Quem

talvez goste de pobre é assiste social. Quem ajuda a gente é só pai

e mãe e olhe lá, porque as vezes nem eles. É isso mesmo. O

mundo é assim mesmo. E o que vai fazer? Pensa que pode salvar o

mundo? Nem Jesus salvou o mundo. No Brasil nada se faz sem

politica. Aqui neste país quem não rouba e quem não herda só tem

merda. Aqui tudo é corrupção. Tudo é politica. As pessoas são

muito ingênuas em acreditar em caridade. Já viu caridade sem

interesses? Você já viu hein seu merdinha? Se abrir o bico, mando

te matar. Vou falar com o prefeito e os vereadores que você já sabe

demais. Seu merda ! Você é pago para fazer seu trabalho, não para

dizer o que é certo ou errado.

Eu fiquei estarrecido quando vi um homem com o qual convivi

durante boa parte de minha vida falar daquele modo.

Ele foi embora. Eu fiquei sozinho na igreja chorando. Estava o

templo semiescuro. Foi quando vi a imagem do Cristo. Coloquei

a mão nela e minha mão afundou dentro da cabeça da imagem do

Cristo. Estava podre. Cheia de cupins. Os cupins comiam seus

braços e suas pernas. Saiam cupins dos seus olhos. Saiu um pó de

madeira, fezes de cupins com sangue. A cruz do Cristo estava

cheia de cupins e eles quebraram os braços da velha cruz de

madeira. Era uma cena horrível. Cena de filme de terror. Quando

olhei para as outras imagens estavam todas corroídas pelos

cupins. Parte do teto caiu perto de mim. O piso começou a

afundar. Haviam buracos enormes de cupins em São Bento, Nossa

Senhora de Aparecida, no São Francisco de Assis. Era uma cena

terrível. Sai correndo. A velha igreja começou a desabar e

desabou. Um bêbado que estava na calçada falou:

“falei que essa porra iria desabar” ele deu risadas medonhas.

Dei sorte de ter escapado com vida.

Fui imediatamente a policia e contei tudo ao delegado, chamamos

o jornais. Entreguei cópias dos documentos. Fugi para outra

cidade. Mudei de nome. Dois anos depois eu estava dando aulas

na escola de Ribeirão Preto quando um homem entrou na sala de

aula. Eu estava corrigindo as provas dos alunos. Eu pensei que

fosse pai de aluno. O homem entrou e falou: “ O Padre José

Carlos te manda lembranças da cadeia” me deu três tiros.

Homem fugiu e nunca o encontraram. Eu morri. Me colocaram

num caixão de madeira. Minha matéria foi apodrecendo. Os

vermes comeram a minha carne. A matéria do caixão também. Os

cupins comeram a madeira do meu caixão. Os cupins cobriram

tudo. Cobriram todo meu corpo como um lençol.

- Saiam daqui. Seus cupins malditos! Porque corroem a única

coisa que me sobrou? Porque comem a madeira de meu descanso?

Porque comem meu caixão? me deixem em paz vermes malditos!

FIM

Davy Almeida
Enviado por Davy Almeida em 23/11/2024
Código do texto: T8203736
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.