VIZINHO
- Alô, Nadine.
- Oi. O que aconteceu? Você me ligando. Levei um susto.
- Eu queria saber se a Hebe e a filha foram viajar.
- A Hebe e a Tulipa desceram para a praia. Só voltam amanhã à noite. O Arão não quis ir. Ficou em casa. Um teimoso.
- Entendi.
- Estranho você me ligar para perguntar isso. Tá tudo bem mesmo?
- Eu vi uma movimentação estranha aqui na rua. Vou desligar. Daqui a pouco te ligo.
- Que movime... (ligação encerrada).
- Eu odeio o Arão. Ele cortou a árvore linda e saudável que estava no terreno há tanto tempo. Primeiro se mudou, logo aumentou o muro, sem pedir consentimento, o muro na verdade é da Minha casa, colocou um portão pesado de ferro, bem alto tampando a garagem. Desde esse dia esse pilantra não me desce. Não sei até hoje como ele tirou do terreno as toras de madeira e raiz, vagabundo, deve ter pago um quebra pra algum fiscal. Devia deixar ele caído no quintal, agonizando até morrer. Eu só o vi pq subi para olhar conferir se a calha precisava de limpeza.
- Alô, Nadine. Sou eu de novo. Você sabe se tem câmera instalada na casa da Hebe? Ela comentou com você?
- Não tem. Ela fez só o orçamento para instalar várias câmeras para acompanhar a movimentação da frente da rua pelo celular. Você está me deixando nervosa. Fala o que está acontecendo!
- Eu ouvi um barulho estranho na casa da Hebe. Talvez o Arão esteja passando mal.
- E o Astor não latiu?
- Não. Parece que ele está no quintal dos fundos. Deve estar dormindo na casinha. Nem escutou nada.
- Minha nossa. Liga para ambulância. Enquanto isso vou ligar para a Hebe e tentar falar com ela pra voltar para casa. Até ela subir a serra vai demorar. Me mande mensagem pelo celular. O Arão é teimoso. Ela queria que ele fosse junto mas ele quis ficar em casa. Disse que não gosta de praia cheia.
- Tá bom. Vou ligar pra ambulância e pro chaveiro. Só assim para abrir o portão pros paramédicos entrarem.
- Eu tô voltando para casa, vou deixar para fazer compra na 25 de Março outra hora, mas vou demorar. Está um trânsito dos quintos dos infernos. É sábado! Não tem jeito.
- Tá bom. Eu te mando mensagem.
....
Que droga eu ter subido para fazer a limpeza das calhas bem na hora que esse traste desmaiou no quintal. Ele está caído perto do carro. Minha vontade era deixar ele lá, na chuva e no sol até a mulher voltar com a filha. Ele não presta, mas a Tulipa é uma garota tão querida e apaixonada por esse pai. Seria terrível se ela encontrasse ele morto e seria horrível encontrar ele vivo, todo mijado, passando mal há dias caído no chão. A Hebe também é boa pessoa. Se ao menos elas tivessem câmeras poderiam ver o que estava acontecendo. Eu não sou cristão. Não acredito em Deus, Diabo e nada dessas bobagens inventadas para manipular as pessoas. Eu não tenho medo de purgatório, karma nem ser punido porque cometi um pecado. Vou chamar a ambulância como faria por qualquer outro ser humano. E também pela Hebe e a menina. Ela tem quase a mesma idade da minha filha. Elas não têm culpa da canalhice dele.
- Alô, Nadine. Liguei para ambulância. Está à caminho. A atendente pediu para ficar no local e chamar o chaveiro só depois, se for necessário. Eles acionaram os bombeiros também.
- Aí. Estou tão aflita. Tentando falar com a Hebe que deve estar na praia e não atende o celular.
- Assim que eu tiver informação eu te mando mensagem dizendo pra qual hospital levaram ele.
- Estou preocupada com a Hebe dirigindo nervosa, subindo a serra, com a filha no carro, assim que eu conseguir falar com ela te mando mensagem Estou tão agoniada. Você ouviu mais alguma coisa?
- Ouvi um barulho, talvez o Arão tenha caído...
Vou desligar, tô indo aguardar a ambulância na porta de casa. Talvez os bombeiros com a escada Magirus consigam entrar pelo muro dos fundos aqui de casa. Lá não é tão alto.
- Senhor! Tá bom. Enquanto isso estou ligando para ela. A Maria Flor está super nervosa aqui do meu lado. Pensando na amiga sendo avisada que o pai passou mal. Klaus, não quero nem pensar no pior.
- Acalma ela. Diz que cai ficar tudo bem. Qualquer coisa coloca minha filha no telefone. Eu explico para ela que ele está sendo socorrido.
- Ela está chorando, muito nervosa, roendo as unhas todas. Não quer falar. Deixa ela. Estamos voltando para casa , mas vamos demorar mais uns 50 minutos. O aplicativo mostrou o tempo estimado para o trajeto . Que desespero!
- Tente ficar calma. Assim a Maria Flor se sentirá mais segura. Queria abraçar minha filha agora. Manda um beijo meu pra ela.
- Mando. Tchau
....
- Klaus. Alô. Alguma notícia? Você não respondeu minha mensagem. O tempo previsto para o trajeto aumentou vinte minutos. Me arrependi tanto de ter saído de casa. A Maria Flor não para de chorar. Teve falta de ar. Tudo isso deve ser ansiedade. Tive que parar o carro e comprar uma garrafinha de água bem gelada para ela. Ela molhou o rosto e a nuca. Tomou um pouquinho de água . Consegui falar com a Hebe. Ela não contou o que está acontecendo para a filha. Inventou uma desculpa e está voltando pra casa. Vai demorar um pouco...mas ela teve sangue frio e não se desesperou. Melhor assim.
- A ambulância chegou...ele vai ser socorrido. Eu te ligo daqui a pouco. Diga para Maria Flor que ele vai ficar bem. Que eu a amo muito.
- Tá.
....
- Klaus. (Enquanto Nadine estaciona o carro na frente de casa). E ambulância? Quem foi junto para acompanhar?
- Oi. Filha. Vem cá. Me dá um abraço. O Arão vai ficar bem. Nadine, os vizinhos saíram na rua por conta do barulho da sirene. O Belarmino foi de carro acompanhando a ambulância. Eu passei o número do telefone da Hebe para ele. Eu quis ficar aqui para ver vocês.
- O Arão está muito mal, pai? Me fala a verdade.
- Filha. Ele teve um mal súbito. Os bombeiros entraram lá pelo nosso muro. Abriram o portão que estava com a chave por dentro. Ele foi socorrido e essa hora deve estar chegando na Santa Casa. Fica calma meu amor.
- E o Astor, pai. Quem vai cuidar dele? (Soluços e mais lágrimas)
- Eu e sua mãe filha. Até a Hebe voltar vamos ficar com ele. Tem água e ração e ele está na casinha. Eu fui lá ver e ele está bem. Fica tranquila meu amor. A Hebe e a Maria Flor vão cuidar depois do Astor também.
- Pai. Obrigada por ter socorrido ele. Se você não tivesse ouvido o barulho na casa ele morreria lá dentro. A Hebe só ia voltar da praia amanhã à noite ou na segunda de manhã . (Choro descontrolado).
- Meu amor. Vem cá. Vamos esperar notícias do hospital e logo poderemos visitar ele. Se acalme. Você vai poder dar um abraço na sua amiga. Meu anjo.
- Klaus. Você foi divino. Meu bem. (Os três se abraçam. Alguns vizinhos consternados com a notícia se aproximam para ter notícias. )