Liberdade em Dois Tempos

Primeira Parte: 1889

A praça estava agitada, os murmúrios se espalhando como um incêndio. Clara segurava a barra de sua saia, escondida sob a sombra de uma árvore próxima ao quartel. Aos 17 anos, ela tinha aprendido a se mover silenciosamente pelas ruas do Rio de Janeiro, uma habilidade necessária para uma jovem curiosa e inconformada com as amarras de seu tempo.

— “Hoje é o dia,” — disse ela a si mesma, observando o grupo de militares marchando em direção ao centro da cidade. Era 15 de novembro de 1889, e o Brasil estava à beira de uma revolução.

Clara havia escutado seu tio, um fervoroso defensor do movimento republicano, falar sobre a queda iminente da monarquia. Ela sabia que aquilo era mais do que uma mudança de governo; era uma chance de liberdade, de um novo começo.

— “Mas o que isso significa para mim?” — perguntou em voz baixa. Ela não votava, não podia estudar nas mesmas escolas que os homens e estava prometida a um casamento arranjado que detestava.

Quando os gritos de "Viva a República!" ecoaram pela praça, Clara sentiu o coração acelerar. Talvez aquela liberdade que eles proclamavam nas ruas também pudesse ser dela. Naquele dia, ela tomou uma decisão silenciosa, mas poderosa: jamais deixaria outra pessoa decidir seu futuro por ela.

Segunda Parte: 2024

Isabela fechou o livro de história com força, o som ecoando pelo pequeno apartamento. O capítulo sobre a Proclamação da República a deixava inquieta.

— "Liberdade… Que piada," — murmurou, levantando-se da mesa. A frase não era dirigida ao conteúdo do livro, mas à própria vida. Aos 28 anos, Isabela sentia-se sufocada: um trabalho que odiava, um relacionamento desgastado e um desejo constante de romper com tudo aquilo.

Ela abriu a janela e olhou para o horizonte da cidade, o vento quente de novembro acariciando seu rosto. "Se os militares e civis daquele tempo lutaram por mudanças tão profundas, por que eu não consigo mudar minha própria vida?"

Naquela tarde, tomou uma decisão que vinha adiando há meses. Pegou seu telefone e digitou a mensagem que adiara por tanto tempo:

— "Não posso mais continuar nesse emprego. Preciso de algo que me faça sentir viva. Estou pedindo demissão."

Depois, respirou fundo e ligou para Lucas, seu namorado. Ele atendeu no terceiro toque, com o mesmo tom impaciente de sempre.

— "Lucas, precisamos conversar. Acho que não estamos mais no mesmo caminho."

Silêncio. E, então, palavras que marcaram o fim de um ciclo.

Conclusão

Enquanto Isabela caminhava pela rua naquela noite, sentiu um peso sendo arrancado de seus ombros. Era como se, em algum lugar do passado, Clara estivesse sorrindo para ela, orgulhosa de sua coragem.

No fundo, a liberdade que ambas buscaram, em épocas tão diferentes, era a mesma: a chance de escolher quem queriam ser. E, assim como a República nascente em 1889, a nova vida de Isabela estava apenas começando.

Nêrilda Lourenço
Enviado por Nêrilda Lourenço em 15/11/2024
Código do texto: T8197381
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