Lixo.
A multidão se encaminhava para as portas onde, acima do batente viam se números, que começava com um e ia até o infinito. Um pouco antes de chegar às portas, cada um já sabia em qual entrar. Estavam todos seminus. Pareciam que nem se davam conta de como estavam se vestidos ou não. Tanto nos gestos como nos olhos demonstravam uma resignação própria dos vencidos.
- Qual a sua classificação, perguntou o rapaz moreno com uma grande cicatriz no lado direito do rosto.
- A minha classificação é um, respondeu o rapaz moreno com uma pequena cicatriz no queixo.
- Que azar, é um dos primeiros. A minha é indeterminada.
- Sorte a sua.
- Por que sorte minha?
- Ora, por não saber quando irá enfrentar as portas.
- Todos, um dia ou não, terão que enfrentar as portas.
Por um bom tempo se mantiveram em silêncio arrastando os pés descalços no chão preto de terra batida.
- O que você está fazendo aqui, perguntou por fim o moreno com uma pequena cicatriz no queixo.
- Tinha curiosidade, vim ver de perto.
- Ah! Certo, mas a curiosidade matou o gato, sabia?
- Ih! Isso é bem antigo. Sabe o que me deixa indignado?
- O que?
- É ver sua expressão e, todos em geral, com um grau de resignação incompreensível, parecem que estão indo para o abatedouro contentes.
- E não vamos afinal? Não somos o lixo humano? Todos os que aqui estão por alguma coisa ou outra, foram designados como lixo.
- Sei, disso, mas...
- Não tem mais e nem menos. A morte acabou ninguém morre mais, ninguém fica mais doente, os vírus foram extintos, não há mais guerras, não há mais AIDS, então arrumaram uma forma de desvencilharem-se do lixo e, aqui estamos nós, lixo humano.
- Você sabe o que tem do outro lado da porta?
- Não sei.
- Disseram que há um avião levando o pessoal para planetas desabitados. Será?
- Quem há de saber!
- Ouvi dizer que também é um grande e profundo poço fumegante.
- Não sei, e, como eu, ninguém se importa.
- Gostaria de saber.
- Você é curioso mesmo, hein!
- E você, não é?
- Não, não sou, sei do meu destino e é para lá que eu vou.
- Olha, estamos chegando a hora de nos separarmos. O que acha de trocarmos de lugar?
- O que? Trocar de lugar? Para que?
- Ué, você não disse que sou curioso. Então? Quero ver o que há depois da porta.
- Mas isso não é o certo. Estaremos quebrando regras.
- Nem sempre o certo deve ser respeitado e quem não quebra, pelo menos uma vez na vida, não tem o direito de viver.
- Não, acredito.
- Não concorda?
- Não.
Nisso, sem que o outro tivesse noção do que acontecia, deu um safanão nele, ao mesmo tempo em que pulava para a esteira, e empurrava o moreno com a cicatriz no queixo para a esteira em que ele estava. Antes que a esteira fizesse a volta, ainda foi possível ver o moreno levantando-se sem saber o que propriamente tinha acontecido.