Jeep de Outras Eras

Em uma tarde de janeiro de 1989, Augusto ajeitava os óculos e lançava um sorriso esperançoso enquanto dava uma última olhada no mapa amassado que trazia no bolso. Mirza, ao seu lado, sorria igualmente animada. Era o início de uma nova aventura, e o Jeep Jeg os esperava pacientemente, como um cavalo de aço com rugas de estrada, pronto para vencer distâncias e acumular poeira nos detalhes de sua lataria já marcada pelo tempo.

O plano era simples: partir de Ubajara, cruzar a Serra Grande e explorar as paisagens até Parnaíba. Cada detalhe daquela viagem estava desenhado em suas mentes como se fosse um quadro inacabado, esperando os toques de aventura. E foi assim, como dois jovens destemidos, que embarcaram no Jeg, sentindo o motor roncar com a determinação de um amigo fiel.

No caminho, uma surpresa: em Viçosa do Ceará, a falta de energia impediu o abastecimento. O relógio marcava 17:00 quando finalmente puderam encher o tanque. Augusto olhou para o céu, o azul já tingido pelas primeiras cores do entardecer. Cogitaram a possibilidade de passar a noite ali na serra, mas o espírito aventureiro de ambos falou mais alto.

A estrada de terra para Cocal dos Alves parecia uma pintura em movimento, os tons dourados do pôr do sol misturando-se com a poeira levantada pelo Jeep. O cheiro de terra e natureza era intenso, preenchendo cada respirada. Quando enfim tocaram o asfalto que os levaria a Parnaíba, já era noite fechada, e a lua servia de guia no céu. Chegaram ao destino após as 23:00, exaustos, mas com um sentimento de realização que só os grandes exploradores experimentam.

No dia seguinte, o coração de Augusto foi tomado por uma emoção particular ao se deparar com o cajueiro secular de Humberto de Campos. Ali, em meio às raízes e galhos, ele podia sentir a presença daquele escritor que, décadas antes, também registrara sua história com a árvore. Uma espécie de reverência natural tomou conta do momento, como se o próprio cajueiro fosse um guardião de lembranças, estendendo seus ramos em saudação.

Anos depois, o Jeep Jeg repousava em um canto da garagem, sob o peso de um silêncio que quase lhe roubava o brilho de outras eras. Augusto passava os dias entre as rotinas e memórias, mas o pensamento do velho companheiro nunca o abandonava. Decidiu então que era hora de resgatar o espírito daquela juventude.

Com paciência e cuidado, desmontou o Jeep peça por peça, limpando, ajustando, e substituindo o que já não era possível consertar. Cada parafuso novo e cada camada de tinta pareciam devolver ao Jeg uma vitalidade que, por tanto tempo, parecia perdida. E ao final, lá estava o Jeep rejuvenescido, reluzente e agora conversível, pronto para testemunhar novas histórias.

Augusto, olhando para o resultado, permitiu-se um suspiro de contentamento, mas não sem certa melancolia. Ah, se pudesse também renovar os próprios anos! As marcas do tempo em seu corpo não eram como as do Jeep — para elas não havia peças de reposição ou uma nova camada de tinta. Mas ele sabia que algumas coisas nunca enferrujam, e entre elas estavam suas memórias.

O Jeep Jeg podia ter voltado no tempo, mas ele, Augusto, havia encontrado algo ainda mais valioso: a certeza de que algumas viagens nunca terminam. Enquanto houver lembranças, ele ainda estará na estrada, com o vento no rosto e o velho amigo ao seu lado.

Nêrilda Lourenço
Enviado por Nêrilda Lourenço em 11/11/2024
Código do texto: T8194797
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