A luz do farol
A tarde estava se despindo em tons de laranja e roxo quando decidi sair para encontrar Saul. O sol se escondia lento atrás das montanhas, e a brisa fresca trazia consigo o cheiro do campo. Era um dia perfeito, mas eu não sabia que seria também o último dia em que veria Saul.
Quando cheguei ao nosso ponto de encontro, uma velha árvore frondosa no parque, notei que ele já estava lá, sentado em um dos bancos. A maneira como ele balançava as pernas nervosamente me fez sorrir. Saul sempre foi assim: inquieto, como se estivesse sempre esperando por algo grandioso a acontecer.
— E aí, Daniel! — ele acenou, seu sorriso iluminando seu rosto pálido. — Estava começando a achar que você tinha desistido de vir.
— Jamais! — respondi, puxando um banco ao seu lado. — O que você está pensando?
Ele olhou para o céu, onde as nuvens começavam a se reunir como se quisessem formar uma tempestade.
— Só estava pensando no que vem pela frente. Às vezes me sinto como se estivéssemos prestes a entrar em uma nova aventura. Você não sente isso?
Havia algo em sua voz que me deixou inquieto. Era como se ele soubesse que algo estava prestes a mudar. Tentando afastar essa ideia, perguntei:
— Que tipo de aventura?
Saul virou-se para mim com um brilho nos olhos.
— Sabe, algo grande! Como quando éramos crianças e sonhávamos em ser heróis.
Ele começou a falar sobre os planos que tinha para o futuro: viagens, novas experiências, até mesmo mudanças de carreira. Mas enquanto ele falava, notei pequenos detalhes: sua mão tremia ligeiramente quando gesticulava; havia olheiras sob seus olhos claros; e um pequeno corte na sua bochecha parecia mais recente do que eu lembrava.
A conversa fluiu naturalmente até o momento em que Saul mencionou um lugar específico:
— Eu quero ir até aquele velho farol na costa. Dizem que tem uma vista incrível do pôr do sol.
A imagem do farol me fez
sentir um frio na espinha. Lembrei-me de uma história antiga sobre o lugar — uma lenda sobre pessoas que nunca voltavam de lá. Tentei ignorar esse pensamento e brinquei:
— Você só quer ir lá para tirar fotos legais para o Instagram!
Ele riu e bateu no meu ombro.
— Pode ser! Mas também quero ver o mar agitado e sentir a brisa no rosto. Às vezes precisamos nos arriscar um pouco.
Aquelas palavras ecoaram em minha mente enquanto continuávamos conversando sobre sonhos e planos. Eu queria acreditar na leveza daquela conversa, mas havia uma sombra pairando sobre nós.
Quando finalmente decidimos nos despedir, o céu já estava escurecendo e algumas estrelas começaram a aparecer. Antes de sairmos do parque, Saul parou e olhou novamente para as nuvens escuras.
— Daniel… você acha que estamos prontos para enfrentar qualquer tempestade?
Seu olhar era intenso e profundo, como se estivesse tentando ler algo dentro de mim.
— Sempre estivemos prontos — respondi, tentando soar confiante.
Ele sorriu de novo , mas havia uma tristeza em seu olhar que não consegui ignorar. Naquela noite, acordei várias vezes com uma sensação estranha no peito. Sonhei com ondas gigantes e um farol piscando à distância.
No dia seguinte, recebi a notícia: Saul havia desaparecido durante a viagem ao farol. As autoridades estavam procurando por ele nas redondezas da costa, mas não havia sinal dele ou de qualquer coisa que pudesse indicar onde ele poderia estar.
A dor da perda foi esmagadora. Eu me lembrei das pequenas pistas: o corte no rosto dele, as olheiras… Algo dentro dele estava lutando contra uma tempestade muito antes de decidirmos ir àquela aventura.
Dias depois, enquanto caminhava pelo parque novamente, vi a velha árvore onde costumávamos nos encontrar. O vento sussurrava entre as folhas como se estivesse tentando me contar algo. Eu sabia que nunca mais veria Saul ali ; nunca mais ouviria suas histórias sobre dragões ou aventuras grandiosas.
E assim percebi: às vezes as tempestades não são apenas externas; elas podem estar dentro de nós mesmos esperando o momento certo para se manifestar. O farol continuava lá na costa, iluminando a escuridão à sua volta…