Náufrago de Mim Mesmo
Caminhava entre sombras,
sempre de cabeça baixa,
carregava o fardo da vida nas costas,
mas nunca a mão leve da sorte nas horas mais cruas.
As ruas, essas velhas conhecidas,
não lhe deram abrigo nem norte.
Ele lutava, como quem respira,
sem nunca esperar muito, sem nunca encontrar.
A esperança, esse fio que se desgasta,
quase se partiu tantas vezes,
enquanto o homem morria aos poucos,
não no corpo, mas na alma que secava.
Por dentro, um abismo.
Quantas portas fechadas, quantas promessas vazias?
A sorte sempre ao longe,
um vulto que zombava, sem nunca se aproximar.
Houve um dia, um desses cinzas,
em que ele pensou:
— Talvez seja hora de deixar o barco afundar,
desistir de remar contra marés eternas.
E ali, na beira de seu próprio abismo,
sentiu a mão do desespero tocando de leve.
A tentação do fim era doce,
como o descanso que nunca teve.
Mas no último segundo, algo vacilou.
Uma memória distante, de tempos melhores,
ou apenas a teimosia de quem,
mesmo moribundo de sorte, não sabe parar.
— Se cheguei até aqui,
se mesmo sem vento, a vela seguiu,
alguma coisa resta,
algo há de vir, por mais impossível.
Então ele se levantou,
não por esperança,
mas por uma espécie de vingança contra o destino,
por um orgulho silencioso de quem já perdeu tanto
que desistir seria uma perda a mais.
E com passos lentos, ele segue,
sem garantias, sem promessas.
O mundo continua o mesmo,
mas ele, agora, é mais forte que a sorte que o nega.
Vai até o fim,
não porque espera o sol,
mas porque a tempestade também tem seu fim,
e ele, que sempre foi açoite,
há de ver o último raio antes do silêncio.