De Ouvidos Bem Abertos
Entro numa cafeteria e sento em uma das várias mesas vazias. Lá fora o dia está nublado, começou uma chuva fina, fraca e insistente. Meu celular está quase sem bateria. O carregador ficou em casa. Peço um capuccino grande com borda de doce de leite na xícara. Várias garçonetes impecavelmente uniformizadas estão desocupadas e aguardam algum pedido perto de um balcão bonito, com objetos de decoração de bom gosto. Durante a semana o movimento de clientes é tranquilo. Perto do caixa uma mulher que parece ser a gerente e não usa uniforme está atenta aos movimentos dos funcionários e da cozinha que despacha os sanduíches, doces e tapiocas para viagem.
Estou desocupada hoje. Adoro ficar ouvindo música bem baixinho com meus fones sem fio enquanto tomo uma bebida quente e observo as pessoas, mas dessa vez vou ficar sentada apenas olhando as pessoas em volta conversando.
Carrego sempre um Moleskine na bolsa. Adoro papelaria e nunca falta papel e caneta para anotar os detalhes das pessoas que estão ao meu redor. Essa antiga tecnologia não deixa ninguém desassistido.
Perto de mim as mesas estavam vazias. Um grupo amigos senta ao meu lado. Escolhem aquele canto pq tem uma espécie de almofada macia de couro como opção na bancada. As paredes são brancas, o pé direito alto, tudo muito agradável, quer dizer quase tudo, as cadeiras de madeira são muito duras, a mesa fixa no chão, mas pouco atraente para quem pretende fazer mais do que uma rápida refeição . Um casal também entra e senta na outra ponta do salão.
Chega meu delicioso capuccino muito quente. A xícara com a borda de doce de leite faz minha boca salivar. Não preciso adoçar, a combinação do cappucino azedinho com o doce de leite deveria ser considerada uma das maravilhas do mundo.
Estou sentada em um lugar estratégico para observar e escutar as conversas. Meu olhar desatento pm não denuncia meus ouvidos atentos, nem minha curiosidade aguçada. Nessa hora me disfarço de antena e consigo prestar atenção na conversa acontecendo numa mesa mais distante. Estou sentada na parte central. Dali consigo observar os cozinheiros trabalhando pela enorme abertura na parede, olho para os vários garçons e as tatuagens desenhadas nos braços das garçonetes e o cabelo preso em um coque e redinha por questão de higiene. O uniforme deles é um avental comprido, abaixo do joelho, bonito, azul petróleo, muito formal.
Peço uma garrafinha de água com gás, bem gelada.
Algumas pessoas entram e rapidamente pagam no caixa os pedidos e retiraram seus lanches no balcão. Eu não estou com pressa. O metrô está cheio esse horário. Eu prefiro aguardar. Sei que a lanchonete fecha às 21h30, então tenho tempo de sobra para fazer vários nadas.
Duas pessoas que aparentam ter uns sessenta anos mais ou menos, ele alto egrisalho com cabelo ralo, ela baixinha e com cabelo farto, curto e tingido de preto sentam-se numa mesa, mas não conversam nem se olham . Imagino que eles sejam um casal. Eles não estão mexendo no celular, estão apenas curtindo um silêncio que me parece pesado. Percebo que eles estavam aguardando um pedido para viagem. A garçonete de cabelo ruivo e rosto delicado, que parece ser a mais jovem entre os funcionários, entrega para eles um saco de papel com o lanche escolhido dentro e o homem dize um tímido "obrigado" e os dois saem.
É delicioso escutar as histórias dos desconhecidos. É sempre instigante ouvir detalhes de uma promoção no trabalho que eu não faço ideia qual seja ou dos passeios feitos durante uma recente viagem para a Europa.
Como eu não estava esperando nenhum amigo e tinha tempo de sobra comecei a imaginar o nome das pessoas, onde elas haviam comprado aquelas roupas, se eram vegetarianas ou carnívoras de acordo com seus pratos suculentos, fumegantes, lanches rápidos trazidos pelos garçons para os apressados com fome que circulam por São Paulo, sejam os que nasceram aqui, como os que escolheram viver nesse caos delicioso-cuktural e cansativo chamado São Paulo.
Nessa hora entrou na cafeteria/lanchonete uma paquistanês junto com outro rapaz que parecia brasileiro. Pelos traços e vestimentas eu imagino que o homem seja paquistanês. Eles sentaram longe de mim em uma mesa do outro lado do salão. Infelizmente eu não conseguia escutá-los. Adoro prestar atenção em conversas de pessoas que nunca vi na vida, especialmente se estiverem falando em espanhol ou inglês. O paquistanês parecia ter uns quarenta anos, era baixinho, o jovem brasileiro, era magro e alto. Logo comecei a desenhar um cenário na minha cabeça. Onde aqueles dois homens tão diferentes haviam se conhecido? Eles trabalhavam juntos? Não desenvolvi a história, mas anotei os detalhes para quem sabe trabalhar num texto. É tão bom ter uma mente viajante, criatividade de sobra para inventar uma trama, ou um certa dose de loucura mesmo. Esses devaneios torna minha vida de pagador de boletos menos insossa.
Dois amigos sentados perto da minha mesa agora conversavam sobre religiosidade de modo empolgado. Ele um homem que intuí que era gay e ela uma mulher que li como sendo hetero foram aumentando o tom de voz, estavam animados, falando sobre céu, purgatório e inferno, sobre os desígnios de Deus. Eu que nada entendo do mundo religioso e suas leis achei curioso o empenho com que ele explicava detalhes para ela sobre determinadas leis espirituais.
O jovem casal que havia chegado há pouco tempo pediu apenas café e um pedaço de bolo cada um deles. Logo pagaram a conta e saíram de mãos dadas da cafeteria, trocando olhares apaixonados, é tão delicado o amor na adolescência, eles pareciam não ter nem 18 anos.
Os chuviscos pararam de cair e eu que já havia ido ao banheiro, tomado meu capuccino e uma refrescante água com gás, feito muitas anotações resolvi pagar a conta com meu cartão para a garçonete de cabelo curto preto que estava sentada em uma espécie de mini balcão no salão com uma máquina sem fio, uma segunda opção para pagar a conta sem ir até o caixa que ficava na saída. Adoro praticidade.
Talvez essas minhas anotações virem ideias para um texto, ainda não sei, tenho alguns cadernos lotados guardados com boas ideias. Eu tenho escrito as alguns poemas, poderia escrever até um romance, mas quer saber, escrever uma história tão longa dá muito trabalho.