"A GALINHA BOEMIA" Conto de: Flávio Cavalcante

A GALINHA BOEMIA

Conto de:

Flávio Cavalcante

O Nordeste é recheado de causos que são aproveitados por grandes escritores para enriquecer suas obras, apenas ouvindo os contos do dia a dia do povo simples do lugar. Os fatos acontecidos no dia a dia dessa gente, muitas vezes são engraçados para nós, que estamos lendo, mas, não se trata engraçado em nada, pois é vivido na pele de um personagem real.

Posso assegurar que este conto foi um fato real e aconteceu comigo. Quando somos criança, não conseguimos enxergar a responsabilidade das coisas, acredito que pela própria inocência.

Minha mãe sempre gostou de criar bichos no terreiro da casa quando a gente morava no interior. O quintal vivia cheio de galinhas e quando era no fim da tarde ela era presenteada com a alegria mútua dos bichos quando recebiam um punhado de milho. Ela jogava espalhando o milho pelo terreiro e aquele monte de galinhas fazia a festa e com muito barulho.

Dentro de casa tinha três galinhas de capoeira (Conhecida em outros estados por galinha caipira). Deitadas chocando ovos e depois que nasciam os pintinhos se misturavam aos outros no quintal.

Dona Luzia, que era uma senhora rezadeira e conhecedora de mistérios que envolvem a natureza.

Toda manhã minha mãe pegava uma das galinhas de capoeira e me mandava até a casa da velha para ver se tinha ovo. Mesmo sem entender eu fazia o que ela me mandava. Abraçava aquela penosa e saía com toda alegria que uma criança carrega. O curioso que assim que dona Luzia pegava a galinha dos meus braços, virava do lado oposto de mim, e quando voltava dizia. “TEM OVO” E eu ficava sem entender como ela sabia que a galinha tinha ovo. Minha cabeça ficava a mil por horas; voltava pra casa e falava o que a velha tinha dito. Eu achava que ela era bruxa e eu passei a ter medo da anosa.

Todos os dias a história se repetia e cada dia era uma aventura na eminência de descobrir como a dita cuja fazia para descobrir se a penosa tinha ovo ou não.

Numa manhã eu levantei e disse comigo mesmo. Hoje eu vou descobrir o segredo dessa velha. Peguei a penosa novamente nos braços e saí. No caminho, parei sentei numa pedra que ficava no caminho e comecei a observar a penosa alisando todo seu corpo. Quando levantei o rabo de penas percebi que havia um buraco. Pensei comigo mesmo. “DEVE SER POR AQUI QUE A DONA LUZIA VER SE TEM OVO”. Não perdi tempo. Enfiei o dedo e a galinha reagiu com um grito como se tivesse sentindo dor; mas, consegui senti alguma coisa dura e a minha reação de felicidade foi de imediato. “TEM OVO” Feliz que parecia tivesse ganhado o melhor brinquedo do mundo. Nem fui mais na casa de dona Luzia. Voltei pra casa correndo pra contar a tal façanha pra minha mãe. Acabei de castigo e disse que aquilo era coisa feia e só os adultos era quem devia saber. Nunca mais ela me deixou levar galinhas na casa de dona Luzia.

Com o passar do tempo essa mesma galinha já estava com seus ovos bicando e seus pintinhos estavam querendo sair de dentro do ovo. Minha mãe tinha mais cuidado ainda nesta fase. Assim que nascia um pintinho, ela tirava a casca do ovo de dentro do ninho para não machucar os que já haviam nascidos.

Nasceram muitos pintinhos. No meio do plantel tinha um que era diferente dos outros, algo que chamou a tenção. Parecia ter algum problema de saúde. Era meio triste. Ficava tremendo pelos cantos. Com o passar do tempo, todos se desenvolveram normalmente; mas, aquele dito cujo, filho único problemático não teve a mesma sorte que os outros; ou melhor, teve mais sorte ainda que os outros posso dizer assim.

Aquele pintinho se tornou uma galinha de pernas muito longas, pouca pena e faltava totalmente pescoço. Quando andava fazia pose de modelo, chamando a atenção de todos. Cada passada, os carros paravam para ver o espetáculo. Era a galinha boemia. Assim todos a chamavam, pelo seu comportamento desengonçado. Ganhou fama e simpatia no bairro.

Ela foi rejeitada pela mãe e teve que por si só aprender a se virar sozinha. Era uma aberração da natureza que teve suas vantagens. Ela foi realmente a protegida pelo povo que a via. Interessante que atendia pelo nome e quando ganhava um pouco de milho fazia uma pose estranha que se atribua uma forma de agradecimento, causando muitas vezes aplausos e gargalhadas.

Apesar de feia viveu mais que as outras. Todas as suas irmãs tiveram o mesmo fim natural “PANELA” e a Galinha boemia morreu de velha e no lugar ainda se tem saudades da penosa que fazia a felicidade dos moradores.

Flávio Cavalcante

Flavio Cavalcante
Enviado por Flavio Cavalcante em 04/11/2024
Código do texto: T8189705
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