AGATHA
Atendi o telefone, era a minha amiga Beatriz desejando falar comigo. Como somos muito amigas tirei um tempinho para ouvi-la, mas antes não tivesse dado atenção, pois a conversa girou em torno de sua vizinha Candinha, pura fofoca. Ah! Como me arrependi em dar trela pra ela. Logo me lembrei de minha finada vó Diana, quando alertava a nossa mãe para não dar ouvidos a vizinhas que ficavam o tempo todo debruçada na janela falando da vida alheia. Parece que cresci e não aprendi, mas fazer o quê, coitada vive sozinha sem ninguém para conversar.
Outro dia o Enrico chegou todo faceirinho me elogiando, trazendo em suas mãos uma rosa de cor lilás, olhei diretamente em seus olhos e falei: ¬- tu não é disso, o que estás aprontando? Nunca me desse uma flor, nem do nosso jardim e agora me dás uma justamente desta cor? Logo hoje? Até parece que estás agourando alguma coisa. Só pra ti saber, quando eu era criança fui ao velório da dona Francisca, que Deus a tenha, e sabes qual a flor que ornava o seu caixão? Não sabes? Era rosa lilás e desde então tenho na minha cabeça que esta cor só se oferece a defunto. O danado me respondeu: - Oh! minha querida Agatha, não sabes que o lilás é uma cor delicada e feminina. Ela traz consigo, mistério e intuição, por isto estou te ofertando esta singela rosa lilás, pois traduz toda a tua essência, meu amor. Confesso que me emocionei com tal atitude e explicação, mas o tal mistério trazido por ela, esse não entendi... sorrateiramente saiu de fininho contando as horas no relógio...
Finalmente consegui encontrar na lista telefônica o endereço e telefone da minha amiga de infância Gertrudes. Não sei por que, a semana toda o nome dela não sai da minha cabeça. Será que ela morreu? Enviuvou? Separou? Se bem que no nosso último encontro, e lá se vão quase vinte anos, ela disse estar muito feliz com o casamento arranjado pela sua tia solteirona Helena, que aliás nunca entendi por que nunca se casou, pois era considerada a jovem mais bela do bairro. Logo corri para o telefone para matar a saudade que tanto me causava apreensão. Colocamos as fofocas em dia, ela está vivíssima da Silva viajando pelo mundo conhecendo pessoas, cidades sempre ao lado de seu amado Ivanildo. Ela me disse que eles estão em eterna lua de mel, brincam como se ainda jovem fossem. Eu cá comigo, não exagera menina, menos, menos, claro que só pensei, não disse isto para ela. Quem sou para duvidar da capacidade dos outros, eu hem...
Justo hoje que pensei em tomar um banho de loja, fazer um pit stop no salão do Jeovânio, São Pedro resolveu abrir as torneiras do céu impedindo de sair de casa. Não mereço... Há tempos estou guardando um dinheirinho para este momento, me dar prazer, me sentir renovada, realizada. Meu sonho de conhecer o novo salão me deixa ansiosa. Guardo na lembrança dos tempos em que o antigo dono, Laércio abriu uma portinha na Avenida das Saudades no número 24. Lembro que era uma salinha 3x3 singela, com uma porta e uma janela na cor azul. O seu interior era pintado de branco, havia uma poltrona antiga na cor verde, uma penteadeira da mesma cor com três gavetas e os instrumentos necessários para atender as suas clientes. O tempo foi passando, o salão crescendo, mudando de endereço à medida que o número de clientes exigia um local maior e mais confortável. O Jeovânio fez parte deste crescimento, pois lá aprendeu a profissão evoluindo em conhecimento através de cursos especializados. Até que finalmente ele comprou do seu fundador e mestre, pois este, necessitava descansar e vivenciar outras experiências nas terras de Victor Hugo. Enquanto a chuva não cessa me vejo perdida em puro saudosismo, relembrando histórias e estórias para contar. Momentos vividos que não voltam mais, mas persistem em minha memória...
Marcela, que saudades tenho de ti. Ontem mesmo estava relembrando nossas peripécias de criança. Lembrei dos tempos de escola quando íamos nós três com as lancheirinhas a tiracolo contendo os quitutes da vovó Noa, eu, tu e o Olívio. Me veio agora na memória, o nome de um coleguinha que depois com o tempo houve um namorico entre vocês, se não me engano ele se chamava Paulo. Sim claro, como não iria lembrar o seu nome, tu o tratavas por Paulinho o que ele não gostava muito. Sempre repetia: - meu nome é Paulo, nada de Paulinho, basta ser tratado assim na minha casa. A gente só por pirraça o tratava no diminutivo. Quero te pedir perdão por não ter ido te visitar. Este ano resolvi fazer diferente. Aprendi que o nosso afastamento nesses anos que se passaram é meramente temporário, mesmo que a saudade venha nos visitar, pois energeticamente estamos conectadas. Olha só o que fiz: - fui à floricultura, comprei rosas de tua preferência, um vaso com um lindo girassol. Coloquei na varanda do meu apartamento para receber toda a luz natural possível, pois ele te representa, afinal tu és luz e toda vez que o sol se fazer presente estarás a me olhar e eu a te contemplar. De irmã para irmã, verdade seja dita, imagino que não te sentias bem nas visitas que recebias. Levar flores, acender velas, rezar. Existe algo mais necrótico do que isto?
Quando o Quirino me disse que viria me visitar fiquei ansiosa, afinal pouco tempo a gente se conhecia e o homem já desejava entrar na minha casa como se muito íntimo fosse. Me veio logo em pensamento as mentiras do Enrico, ainda bem que ele se foi saindo da minha vida pra sempre. Confesso que meu coração o desejava, mas a razão me questionava se era o momento ideal. Mas quando será o momento ideal para uma mulher que sonha com o seu verdadeiro príncipe encantado? Pensei, pensei, acabei adiando este encontro. Ele do outro lado da linha aceitou passivamente os meus argumentos e eu prometendo quando estivesse pronta entraria em contato com ele. Hoje faz exatamente dez anos que este episódio aconteceu, ele deve ter desistido, como dizem os meus colegas de trabalho: - Agatha deixe de ser ingênua, nos dias de hoje não existem príncipes encantados, deu bobeira, dançou. Prefiro ficar só do que mal acompanhada, já dizia minha finada mãe. Sem Enrico, sem Quirino, mas que ideia de girino...
Meu vizinho de porta Raul, me convidou para irmos jantar na próxima sexta-feira, dia do seu aniversário. Disse a ele que iria consultar a minha agenda, claro que foi só um charme, pois a minha agenda sempre está livre, aliás nem tenho agenda. No dia seguinte bati a sua porta agradecendo o convite, dizendo que infelizmente não poderia aceitar devido uma viagem que surgira de última hora. Mais uma vez eu mentia para mim mesma, afinal a nossa amizade se restringia a um bom dia, boa noite e vagos momentos de prosa. Sempre ouvi falar que era um solteirão sem sorte nos namoros. Sua primeira namorada foi uma fulana chamada Silvia, que segundo a Teresa, vizinha do apartamento dos fundos, o trocou por um forasteiro que passava pela cidade em busca de aventuras. Sua segunda namorada foi uma ninfa de nome Uiara que enfeitiçou o coitado. Quando tudo se encaminhava para uma vida plena daquele casal de pombinhos um fato inesperado acontece no caminho dos dois. Numa noite de verão quando o casal se preparava para recolher-se em sua alcova, uma batida na porta desperta a atenção deles. Raul coloca seu roupão, dirigindo-se a sala e quando abre a porta um par de policial o indaga acerca de estar na sua casa a jovem Uiara. Sem nada entender ele responde que sim. Com a confirmação encerrava ali, mais uma experiência malsucedida na arte de amar. A jovem havia fugido de casa para evitar um casamento arranjado o qual ela discordava. Este episódio o deixou desconsolado prometendo nunca mais se apaixonar por outra mulher...
Semana passada, eu e a minha prima Valdete fizemos a viagem dos nossos sonhos, um cruzeiro de oito dias. No mês passado ela me ligou convidando para este passeio, confesso que não dei muita bola para o convite, pois a conhecendo imaginei ser pura empolgação. Ela morre de medo de água, por isto não levei a sério o seu convite, fiquei de pensar. No dia seguinte Valdete me cobrou uma resposta, então percebi que ela estava disposta a derrubar a barreira que tanto a afligia toda vez que entrava no mar. Imediatamente nos dirigimos a empresa que estava vendendo o pacote que saia de Santos, passava por Ilhabela, Balneário de Camboriú, Porto Belo, Búzios, Rio de Janeiro desembarcando no porto de Santos. Foi uma experiência excepcional. Nos divertimos bastante. Cada cidade do roteiro o navio aportava e todos saiam para conhecer os locais turísticos e numa dessas descidas, Valdete conheceu Xisto. Homem educado, polido, recentemente enviuvara. Desde que se casara, ele e sua esposa faziam um cruzeiro a cada dois anos e este seria o primeiro sozinho. Segundo ele, foi um desafio estar só naquele navio, pois vinha a sua mente lembranças de um tempo que não voltaria mais. A partir deste momento a nossa amizade foi se solidificando e nos tornamos confidentes um do outro, nos divertimos, jantávamos na mesma mesa, íamos aos shows juntos, enfim não nos separamos mais até o fim da viagem. Quando chegamos no porto de Santos, ele meio tímido nos pediu o número de nossos telefones para futuros contatos. Amanhã minha prima Valdete vai se encontrar com ele no aeroporto de São Paulo para se conhecerem melhor...
Hoje acordei com um nome na cabeça que não lembro, sei que a primeira letra é Z. Fiquei pensando, que coisa estranha não lembrar do nome, somente a primeira letra, não dei bola. Tomei o meu banho, fiz o meu desjejum, tomei o ônibus e fui bater perna pelo centro da cidade, afinal hoje é sábado. Dia que gosto de sair para olhar as vitrines, saber das novidades, talvez reencontrar amigos ou mesmo conhecer novas pessoas. Chegando ao centro, logo fui direto ao calçadão, onde as melhores lojas da cidade estão instaladas, o trânsito de pedestres e vendedores ambulantes é intenso e onde tudo acontece. Estava defronte a vitrina de uma loja de roupas femininas, quando vejo refletir no vidro o rosto de um homem sorrindo para mim, me assustei. Ele percebendo a minha reação deu um sorriso acenando com a mão direita que eu entrasse na loja. O seu sorriso me cativou tanto que num impulso entrei na loja sem ter certeza de que desejava comprar algo. Quando ele se apresentou como Zaki, dei um pulo para trás, percebendo se desculpou pelo susto e ousadia em ser tão direto. Vim a descobrir que ele não era um vendedor e sim o proprietário daquela simpática loja. Diante do ocorrido me senti na obrigação de dar-lhe explicação do acontecido. Ao comentar o meu sonho e meu questionamento, me deu uma explicação plausível: - simples, conspiração do universo, disse ele. Nunca ouviste falar que o universo conspira a nosso favor quando desejamos algo ardentemente? Apenas sorri. Um sentimento estranho se apossou de mim que quase perdi minha compostura. Ele percebendo a situação me convidou para almoçar num restaurante de cozinha persa árabe, próximo de sua loja. Conversamos bastante nos conhecendo melhor e nos despedimos um do outro com a certeza de que o nosso futuro estava escrito nas estrelas. No próximo sábado vou conhecer a sua família, pois é de sua cultura levar a pretendente para o crivo da família. Como a minha família se resume em mim mesma, afinal o Olívio depois que foi para o Nepal não mais voltou e nem me manda notícias, imagino que ele virou monge budista. Então já me apresentei e fui aceita sem ressalvas...
Valmir Vilmar de Sousa (Vevê) 03/11/24