Um momento tenso

Andava a pé pela extensa Avenida Brasil, de volta para casa, com três livros nas mãos, quando uma moça morena de cabelos curtinhos parecendo um menino me parou e abordou. Ela vestia roupas masculinas e carregava consigo uma pequena caixa de isopor que cabia em suas duas mãos, já falando:

- Moça, hoje estou com uma promoção imperdível - abriu a caixinha, que estava cheia de pequenos envelopes, possivelmente feitos de papel sulfite. Os envelopes tinham o tamanho de uma unidade de preservativo masculino. Eu até pensei que eram camisinhas, e respondi:

- Obrigada, mas eu não tenho dinheiro - evitei usar um vocativo temendo que pudesse não gostar que dissesse-lhe "moça, obrigada, mas não tenho dinheiro para comprar". Sei lá se ela preferia ser chamada de piá! O mundo está meio confuso e eu não queria problemas.

Ela ignorou minhas palavras e insistiu:

- Como eu dizia, estou com uma promoção imperdível. Um pacotinho custa $25,00 reais, mas hoje estou vendendo por R$ 15,00 reais, aproveita, é só hoje!

A olhei atentamente incomodada com aquela situação. Olhando nos seus olhos vermelhos, pedi desculpas e repeti que não tinha dinheiro. Do contrário, não estaria voltando do meu curso de redação a pé, vindo lá do Belo, passando pela extensa Avenida Brasil etc... Parece que ela não me ouvia, comecei ficar sem jeito. Insistiu mais uma vez:

- Então, leve por R$ 10,00. Você é uma moça linda e elegante, gostei de você.

Nesse momento, fiquei ainda mais nervosa e retomei meus passos lentamente, porém, ela me acompanhou, rasgou um envelope e jogou um pó branco que continha dentro do mesmo em meu rosto, deixando meu nariz todo branco. Olhei para todos os lados e não vi mais ninguém ao redor. Apenas alguns automóveis passavam acelerado para cima ou para baixo. E uma ou outra pessoa eu via bem distante, tão distante que eram pequenas diante dos meus olhos. Fingi espirrar três ou quatro vezes para expulsar aquele pó, que eu não sabia o que era, do meu nariz. Os livros caíram das minhas mãos pelo meu nervosismo e aproveitei para limpar meu rosto. A moça me encarava com um olhar de irritação, evitei encarar-lhe e abaixei para recolher meus livros do chão. Nesse momento, senti uma mão me puxar para cima, pelos cabelos. Nem peguei os livros. Levantei-me pela força em meus cabelos. Quando olho, não estávamos mais eu e a moça, tinha mais um cara conosco. Não sei de onde ele saiu, de onde veio. Ele também tinha os olhos avermelhados. Eu fiquei ainda mais nervosa!

O piá tirou um cigarro da boca e perguntou:

- O que tá "pegando"?

- Esta lindinha aqui - respondeu ela, ainda segurando meus cabelos - que consumiu o nosso produto e agora não quer pagar!

Pronto! Não sabia mais nem o que pensar. Queria sumir dali e não estava conseguindo quando estávamos só eu e ela, ficou mais complicado quando apareceu esse moço como se tivesse brotado do chão.

- Não me diga! - expressou ele, removendo a mão dela dos meus cabelos.

Por trás do piá, descia um moço magro, branco, cabelos pretos, vestido de calça jeans azul, camiseta branca e tênis também na cor branca, usando óculos de sol. Ele parou diante de nós e perguntou:

- Vocês precisam de ajuda? - meu coração se alegrou e eu fiquei menos tensa.

A dona com jeito de menino, pegou-me novamente pelos cabelos e foi logo dizendo:

- Esta branquela metida a gostosa consumiu o meu produto e agora não quer pagar.

Dessa vez, tive atitude. Ergui a mão e tirei a mão dela dos meus cabelos, ao tempo que falava:

- Não foi bem assim, ela me ofereceu o envelope, eu recusei alegando não ter dinheiro, que do contrário pegaria um Uber de volta para casa, não retornaria a pé, e ela jogou o conteúdo na minha cara e quer porque quer que eu pague. Pagaria se tivesse como pagar!

O moço se manifestou imediatamente:

- Não seja por isso, por favor, quanto é? Diz que eu pago!

O comparsa da moça tomou a palavra, deu o preço:

- Cem pilas!

O benfeitor levou a mão direita ao bolso traseiro, pegou a carteira e abriu com a mão esquerda, tirou duas cédulas de cinquenta e entregou. Agradeceu aos dois meliantes, recolheu os meus livros do chão, me entregou nas mãos, me levando dali. O acompanhei agradecendo pela sua intervenção. Segui andando na companhia dele, que tinha um papo agradável e, passado o susto, senti seu cheiro agradável. Mais adiante, ele para próximo a um Ford KA escuro, quatro portas. Abre a porta, pede para que eu entre prometendo levar-me para casa. Enormemente grata por ter me tirado daquela situação, sem querer incomodá-lo, agradeci pela gentileza, justificando que estávamos distantes daqueles dois, preferia seguir andando para aproveitar o ar. Mas, retirando os óculos, pediu para acompanhar-me até minha casa. Fiquei admirando seus olhos verdes, claros, que só agora pude notar. Pensei: "que homem lindo!"

Apesar da gratidão, não queria que ele soubesse onde moro e inventei que precisava ir à Universidade Tecnológica Federal, que era caminho, para resolver um assunto no DAA. Ele me acompanhou a pé até lá e eu tive que entrar. Na portaria, ele me deixou com um abraço. Fui retribuir com um beijo no rosto, mas ele girou a cabeça a acabei acertando na boca. Fiquei sem jeito, pedi desculpas. Ele apenas pegou um cartão do bolso frontal esquerdo e me entregou, dizendo as seguintes palavras:

- Se precisar de qualquer coisa, me liga! Em seguida, partiu.

Esperei cinco minutos e sai do prédio da Universidade. Chegando em casa, fui tomar um banho e relaxar toda aquela emoção que não esperava viver nesse dia. Tomei banho. Ainda de roupão, peguei o cartão e adicionei os números no meu aparelho telefônico celular. Atualizei o meu whatsapp e procurei o contato dele. Deitei-me na cama e fiquei um tempão olhando a foto dele no perfil, pensando se falava ou não com ele. Que homem lindo! Na minha mente, ficaram gravadas suas palavras ao me dar o cartão: "Se precisar de qualquer coisa, me liga!"

--- Continua

Alline Danielle
Enviado por Alline Danielle em 03/11/2024
Reeditado em 04/11/2024
Código do texto: T8188721
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