O Chamado da Cachoeira.
Nas profundezas da Mata Atlântica, em um lugar onde poucos ousavam pisar, vivia um caboclo caiçara que se destacava por sua aparência peculiar e espírito livre. Ele era conhecido apenas como "o hippie da cachoeira" por aqueles que, ocasionalmente, encontravam seu refúgio. Mistura de indígena, africano e europeu, ele carregava nas veias a herança dos ancestrais que habitaram aquelas terras antes que o progresso as reivindicasse.
Seu estilo de vida era tão fluido quanto a água que caía da grande cachoeira onde ele vivia. Com longos cabelos desgrenhados, roupas de algodão cru e colares de sementes e conchas, o caboclo parecia pertencer tanto à terra quanto à floresta. Seus dias eram simples: ele pescava nas águas límpidas do rio, colhia raízes e frutas da floresta e, quando a noite caía, acendia uma pequena fogueira à beira da cachoeira para aquecer o corpo e o espírito.
No entanto, aquele caboclo não vivia isolado por fuga, mas por escolha. Para ele, o mundo lá fora havia se tornado um lugar barulhento, cheio de mentiras e máscaras. A natureza, por outro lado, era pura, sincera em sua harmonia caótica. Os rios não mentem, pensava ele, tampouco as árvores ou os animais. E ali, entre as pedras e o som da água, ele sentia que a sua essência indígena, herança de seus ancestrais, florescia.
Os poucos que cruzavam seu caminho se admiravam de sua serenidade. “Como consegue viver tão isolado, sem as coisas da cidade?”, perguntavam. Ele sorria, sem pressa de responder, e muitas vezes deixava que o som da cachoeira falasse por ele. Aquela água que nunca parava, fluía incessante, sempre encontrando o caminho, era a resposta que ele oferecia.
Mas a verdade é que o caboclo hippie não estava realmente só. A floresta era sua família. As árvores o protegiam do sol e da chuva, e o rio o alimentava com peixes e água pura. Em troca, ele oferecia sua reverência e cuidado. O caboclo jamais tirava mais do que precisava, e assim vivia em uma simbiose perfeita com o ambiente ao seu redor.
Numa manhã, ao coletar lenha para o fogo, o caboclo se deparou com um jovem sentado na margem do rio, olhos perdidos na correnteza. Era raro encontrar alguém tão longe da civilização. O jovem, ao vê-lo, perguntou sem rodeios: “Você não sente falta da vida lá fora?”
O caboclo, com seus olhos cheios de sabedoria antiga, simplesmente respondeu: “Eu não estou fora da vida. Eu estou dentro dela. Aqui, a vida é o que sempre foi: um ciclo, um fluxo. Lá fora, eles se esqueceram disso.”
O jovem ficou em silêncio, contemplando as palavras que pareciam ecoar dentro dele, como o som das águas. Ele sabia que o caboclo não estava falando apenas da floresta, mas de algo muito maior. Era como se, de alguma forma, o tempo e a vida encontrassem seu verdadeiro ritmo ali, longe de tudo que ele conhecia.
Naquele dia, o jovem partiu, mas a presença do caboclo e suas palavras o acompanharam. Ele sabia que jamais seria o mesmo. Aquele encontro havia plantado algo dentro dele, algo que cresceria com o tempo, como as árvores que o caboclo tanto amava.
E o caboclo hippie continuou sua vida na floresta, caminhando descalço pelas trilhas que conhecia tão bem, sempre guiado pelo som da cachoeira. Para ele, não havia outra vida que fizesse sentido, e ele sabia que, enquanto estivesse ali, em sintonia com a natureza e seus próprios antepassados, nunca estaria realmente sozinho.