A xícara de café
Outra manhã de frente para a grande janela envidraçada que dava para a praça. Era setembro, e as rosadas sapucaias estavam esplendorosas. Os carros contornavam a praça silenciosamente, parecendo de brinquedo, ali na altura do décimo quarto andar. A primavera ainda não se livrara do frio, e sentado na grande poltrona, alguém tinha coberto suas pernas com uma felpuda manta xadrez. Imóvel. Há muito não se mexia. Onde o punham, ficava. Rostos desfilavam diante dele e despertavam uma estranha sensação de deslocamento. Quem eram? De onde vinham? Por que o tratavam assim, feito uma criança? Levantou voo para o passado. A infância precária mas feliz, junto aos oito irmãos. O barulho da máquina de costura, o cheiro gordo da sopa de tutano no início da noite. Que horas seriam? Que dia? Que casa era aquela? Como ficara preso naquele sonho interminável, por que não conseguia levantar-se e fugir? Do fundo do tempo veio uma voz mansa chamando-lhe "pai". Mas quando foi que se casara, e com quem? Ela deixou ao seu lado uma xícara de café fumegante. Sentiu aquele aroma bom e vigoroso, gostava do café assim: bem quente! Abriu os olhos.Esperou em vão. Cadê alguém para lhe satisfazer esse pequeno prazer, uns goles de café pelando e doce descendo pela garganta cansada? Quando a voz afetuosa retornou e chegou a xícara aos seus lábios, já tinha perdido a vontade. O café estava frio. Cuspiu o líquido lentamente, e ele foi descendo pelo queixo, alcançou o pescoço até ir entranhar-se no tecido branco da camiseta, que cobria a barriga proeminente.