Jão do Feijão

Era uma vez, um menino chamado João, ou melhor, Jão do Feijão, como gostava de ser chamado por trabalhar em uma vendinha de feijões na feira da Glória. A barraca era a que mais lucrava na região, já que Jão chamava seus clientes cantando RAPs e improvisando músicas. Todos que passavam por ele acabavam se encantando com sua voz, e acabavam comprando. “Não sei o que é mais mágico, Jão. Essa sua voz, ou esses feijões!” Era o que ele sempre escutava de seus clientes mais fiéis.

Um certo dia, o menino estava cantando para seus clientes, como fazia todos os domingos, e não imaginava que um grande produtor musical estava por perto. No final do dia, quando a feira estava sendo desfeita, o produtor foi conversar com Jão.

- Menino! Que show foi esse que você fez em! - Um homem baixo o encarava com um sorriso de lado, sua testa brilhava, talvez do sol. Ele usava um camisa florida, daquelas que gringos usam quando viajam para o Rio. Na parte de trás de seu sorriso, Jão viu um brilho dourado no molar. O homem estendeu a mão vermelha e nervosa e com a outra limpou o sebo da testa. 

- Opa. - deu de ombros e se virou para a banca de frutas -  Que bom que gostou, senhor! - o homem continuou o encarando como se Jão fosse um baião de dois sem tempero - Conseguiu comprar seu feijão? Ó se quiser eu ainda tenho alguns aqui, eu to fechando, mas pra alguém gente boa como o senhor eu pego uns sacos aqui.

- Não menino, relaxa! Não vim aqui pelo feijão. - esfregou as mãos olhando ao redor.

- Então, veio tirar uma foto? - disse desinteressado.

- Sarcasmo, não gostei tanto! - o homem parecia estar fazendo uma lista de atributos, o que deu um repuxo no estômago de Jão, o que esse cara quer? -  Enfim, perguntei para algumas pessoas aqui quem você era, e elas me disseram que você é o “Jão do Feijão”. - disse o homem estranho. 

- Em carne e osso.

- Posso ver. 

- Sarcasmo, agora eu que não gostei - sorriu.

- Qual seu nome de verdade?

- João, meu chapa. Mas a galera aqui só me chama pelo meu “nome artistico”.

O produtor, com seu grande olhar para diamantes brutos, deu uma volta em torno do rapaz.

- Você é muito bonito, viu!

- Olha meu parceiro, não sei qual a tua, mas não to interessado. Valeu!

- Você nem escutou minha proposta… E confia, nessa você vai gostar! - Jão ficou encarando o homem velho, já bastante irritado - Meu nome é Caio Bianchi, sou produtor musical na 123 Records, e eu quero te oferecer um contrato com a gente, Jão do Feijão.

- O que?

- Não confia no seu talento? Por que essa surpresa toda?

- Não, não é isso. Acho que eu só não esperava que isso fosse acontecer logo aqui, logo comigo…

- Devem ter sido esses feijões mágicos que te ajudaram. Agora você tem a oportunidade de subir neles e pegar seu grande pote de ouro. Você topa?

- Claro! Claro que sim! - Respondeu o rapaz, explodindo de felicidade.

- Amanhã vá nesse endereço aqui - entregou ao menino um cartão - às 10h da manhã. Não se atrase.

 

Naquela noite, Jão foi para casa e não conseguiu dormir. Ficou tão animado que passou a madrugada pensando em qual roupa vestir e em como seria sua vida de cantor depois de sair da pobreza. Veja, o menino tinha 20 anos e morava em uma casa em um morro no Rio de Janeiro, com mais quatro desconhecidos, que dividiam o espaço e o aluguel. Jão dividia o quarto com Robson, um homem muito grande, de 27 anos, e uma lista muito grande de parceiros sexuais que sempre estavam no quarto. Os dois se davam bem, apesar de quase não se falarem. Em três anos morando no local, apenas uma vez eles discutiram pois um dos namorados de Robson estava dando em cima do rapaz enquanto ele só queria dormir depois de um dia cansativo e fracassado nas vendas. Mas sem ressentimentos. No dia seguinte, Jão acordou bem cedo para não se atrasar, e deu de cara com seu colega de quarto dormindo abraçado com seu novo namorado. “Algum dia eu também vou ter isso” pensou o menino. Enquanto ele ficou encarando os rapazes por um tempo, com um pouco de inveja no coração, ele percebeu que os dois estavam pelados.

- Ah puta que pariu, eu mereço um negócio desses logo cedo? Sacanagem, meu irmão.

 

O rapaz chegou à sala de Caio às 9:55 da manhã, mas ficou esperando na porta do prédio desde às 8h para não se atrasar. Ele tinha gastado seus últimos vinte reais com um uber até o local para não correr o risco de perder a oportunidade.

 

- Você veio! Que bom, achei que não viria, e ah, chegou bem na hora!

- Desculpa o atraso, Senhor Caio.

- Você não se atrasou e não precisa me chamar de Senhor.

- Ok, foi mal Senhor. Quer dizer, Caio.

- Aprende rápido! Gostei.

Jão ficou vermelho.

- Bem, vamos começar?

- Vamos!

- Preencha essa ficha para mim com suas informações e depois começamos com a entrevista rápida para nos conhecermos melhor - disse o produtor, entregando uma prancheta para o menino e piscando para ele.

O rapaz sentou em um sofá e começou a preencher as informações.

- Aqui é uma gravadora muito bonita, Caio. - disse o rapaz enquanto preenchia.

- Ah não, mal entendido. Aqui não é a gravadora, e sim minha casa. Eu trago os novatos aqui para fazer a entrevista, para não ter toda a burocracia da produtora. Sabe como é, né?

- Sim… - o menino não soube como reagir. Achava estranho estar na casa de um cara que mal conhecia, e que se dizia produtor musical, e que estava interessado em um cara como ele, mas era uma oportunidade única, e ele não iria perder - E só tem a gente aqui?

- Só sim. Terminou de preencher?

- Sim.

- Algum problema? - disse o homem enquanto lia o formulário.

- Nenhum, Senhor. Quer dizer - limpou a garganta - Caio!

Caio riu.

- Bem vamos ver suas informações. João Roberto Assis, mais conhecido como Jão do Feijão. 20 anos, 1,85 de altura, 70 kg, pardo, filho único. Deixou o nome do pai em branco.

- Eu não sei o nome dele.

- Sua mãe nunca te disse?

- Nunca teve a oportunidade - sua voz falhou.

- Deixe-me olhar para você. Levante-se.

Jão levantou.

- Bem, alto, forte, braços bastante musculosos. Pele limpa e bonita. Que cor linda, pega bastante sol? Imagino que sim. Cabelo cacheado, igual a um anjo, dentes limpos e brancos - Jão se sentiu como uma peça de roupa exposta em uma vitrine - Você está bem cuidado em menino.

- Obrigado?

- Nesse ramo da música não importa se você tem uma bela voz, precisamos mais que isso. Uma imagem a ser vendida, entende?

- Acho que sim.

- Precisamos de um galã, de um herói para conseguirmos vender.

- Mas eu não sei se sou um dos dois.

- E é aí que você entra! Todo mundo pode fazer um galã, mas nem todo mundo pode fazer alguém como você.

- Como eu? Como assim?

- Alguém que passou por dificuldades, e que subiu na vida através de um esforço genuíno. Você não vai ser um principezinho que saiu da Disney. Você vai ser o guerreiro que se salvou do seu próprio destino - os olhos de Jão brilharam - e eu vou estar lá, atrás de você vendendo sua imagem pelo maior preço que conseguirmos.

- Caralho, parece perfeito! Mano, eu não sei nem o que dizer…

- Não diga nada ainda. Agora que temos sua história e em como vamos vender sua imagem, temos que pensar sobre seu trabalho.

- Música, né?!

- Música, ensaio de fotos, presença em shows e começar a fazer contato com outros famosos. Isso me lembra de te apresentar a Miriam.

- Miriam?

- Ela trabalha comigo.

- Ah da Mary Kay?

- Que?

- Nada - disse o menino um pouco confuso.

 

Três dias após a primeira entrevista, Jão foi levado à gravadora para assinar o contrato e começar a trabalhar. O lugar era gigante e estranhamente dourado. Todas as salas tinham temas religiosos, e no lugar da imagem de um santo ou de Jesus, ficava a imagem de um artista que passou pela gravadora. O que dava visuais como a Marisa Monte retratada como uma pintura de Michelangelo. Sem contar com os estranhos cupidos e pequenos anjos que voavam em volta do peito sem camisa da pintura do Luan Santana. Jão achou interessante essa parte.

- Agora que você assinou o contrato, vamos para o seu primeiro trabalho!- Disse Caio.

- Caralho, nem acredito! Vamos nessa!

- Quero que conheça a Miriam, nossa mais nova estrela aqui no estúdio.

- Oi, tudo bem? - disse a mulher.

- Ai papai… - Jão estava em outro mundo, sonhando acordado, ou vendo mais uma das pinturas estranhas na parede. Não, isso era real. Aquele sorriso, aquela boca, aquele rosto. Era a menina mais bonita que ele tinha visto. “Xonei” pensou o menino. Miriam era uma morena alta, de 1,70, com grandes tranças e um sorriso que poderia encantar multidões.

- O que? - Caio e Miriam perguntaram em sincronia.

- É… Tudo bem! Tudo bem sim, foi isso que eu quis dizer. Só me perdi um pouco nos pensamentos, sabe? Já estava no ritmo da música e pensando em como ela vai ser…

- Ah é? E ela vai ter “Ai papai” no meio, Michel Teló?

- Essa foi boa…

- Miriam, prazer! - estendeu a mão.

- João - cumprimentou a moça - Quer dizer, Jão do Feijão.

- Não concordamos com isso ainda - interrompeu Caio.

- Está bastante confuso, em Jão. Nervoso? - Disse Miram.

- Acho que não tem como não ficar nervoso com um sorriso bonito desses, né?! - Miriam corou.

- Porra, acho que eu realmente xonei, papai.

Uma troca de olhares fixos foi feita entre os dois.

- Enfim, constrangedor - Caio interrompeu - bem, para o primeiro trabalho do Jãozinho aqui, você vai fazer um feat em duas das quinze músicas do segundo álbum da Miriam.

- Da hora!

- Você vai fazer sua estreia cantando rap, mas depois podemos fazer sua troca para outros ritmos e outras melodias, mas por hora vamos te encaixar no confiável.

- De qual música estamos falando? - perguntou a mulher.

- Coraçãozinho e A Nova Onda.

- Eu disse que não queria cantar essas músicas! Elas são ridículas. As letras não falam nada com nada.

- Foram as músicas que nossos compositores fizeram para você!

- Manda o Luan cantar elas! Eu tenho minhas composições!

- Não precisa ficar irritada, Miriam.

- Eu me irrito sim, porra! Você sabe que eu quero cantar músicas que façam sentido para mim. Músicas que tenham sentimentos.

- Infelizmente não vai ser possível - Caio parecia mais frio e calculista do que nunca - Você assinou o contrato de que só iria cantar as músicas que eu permitisse, e eu não permito as suas - Miriam segurou as lágrimas - e que se tenha avisado, pequeno feijãozinho, que o seu contrato é igual.

Caio saiu da sala e deixou os dois sozinhos.

 

Depois de duas semanas de trabalho árduo, as músicas foram gravadas e Jão recebeu uma porcentagem de sua comissão. Era o último dia que os dois iam trabalhar juntos.

- Ei, gata - disse Jão - o que acha, eu mais você mais algumas bebidas? Hoje a noite ali no BB?

- BB? - perguntou a menina.

- Baixo Bota. Topa?

- Hum, por que não?

- Fechou então! Te encontro na saída e vamos juntinhos!

Naquele dia mais tarde, os dois saíram para beber em um bar das ruas de Botafogo. O dono do bar era conhecido de Jão, e sempre comprava feijões na barraca dele.

- Cezar, meu chapa! - disse Jão quando reencontrou seu amigo - Tem uma mesinha aí para dois?

- Para meu amigo cantor? Porra, tem mesa sempre pra você!

- Que isso! - respondeu o cantor.

- Até no meu colo eu deixo você sentar agora! - brincou o garçom.

Os dois riram. Jão sentou, olhando para o garçom, e miram escolheu o lado oposto da mesa. Colocou sua bolsa no colo, como se estivesse pronta para levantar e ir embora. 

- O que você toma? - João perguntou, com um sorriso artificial, talvez ele não pudesse mesmo estar ali com aquela celebridade e ela apenas tivesse fingido ser simpática com ele. 

- Sei lá, qualquer coisa. Cerveja é tudo ruim mesmo - deu de ombros e mexeu num guardanapo usado que o garçom havia esquecido de tirar. 

- Tá certo, eu escolho então - Jão levantou e saiu em busca do garçom, era uma forma de se esquivar do olhar duro e frio de Miriam. Ele passava a mão na testa para se livrar das gotas de suor que brotavam teimosas. 

Quando voltou, miriam estava olhando a rua, com o rosto sem nenhuma expressão, como se estivesse um pouco vazia por dentro. Jão andou lentamente, ela era realmente muito bonita e parecia que havia um pedaço dela que não estava ali. Um buraco, uma tristeza quase indizível. Ele realmente estava apaixonado por ela, faria qualquer coisa por ela e sentia que ela estava escapando de seus dedos quando finalmente estavam juntos. Que oportunidade perdida. Ele ia sentar no mesmo lugar, mas decidiu se aproximar. Puxou a cadeira e colocou na diagonal da mesa. Virou seu corpo na direção de Miram e sorriu, um sorriso honesto e apaixonado. Não iria deixar ela sentir nenhuma tristeza, não com ele ao seu lado.

Depois de muitas cervejas e algumas fotos que Miriam teve que tirar com quem a reconheceu, os dois estavam sentados lado a lado. Rosto com rosto. Ar com ar.

- Tá, uma pergunta - disse Miriam - Eu duvido que você só curte garotas. Verdade isso?

- Porra… Eu sou artista, né…

- Isso não foi uma resposta!

- Foi uma resposta esperta!

- Bobão.

- E você?

- O que tem eu?

- Só curte garotas? - riu.

- No final da noite, eu te conto.

- Misteriosa? Gostei.

- Esperta, não é?

Os dois beberam mais. E chegaram mais perto.

- Me conta sua história? - a menina pediu.

- Não é a melhor de todas.

- Conta mesmo assim!

- Sei lá por onde eu começo - riu sem graça.

- Pelo começo, como sempre, bobalhão.

- Bem, sou filho único da Senhora Rosana. Uma mulher tão batalhadora e guerreira que não parava de trabalhar. Nem enquanto morria… Ela me ensinou tudo o que eu sei hoje, até mesmo cantar. Não tínhamos muito dinheiro, então eu ficava do lado de fora de uma escola de canto, e via tudo através de uma janela. Ficava prestando atenção nos exercícios e ia pra casa para treinar com ela. Era o nosso momento mais próximo. Ela morreu quando eu tinha 17 anos. Dengue. Nunca fui para abrigo ou coisa do tipo, sempre me virei. Cuidei da barriquinha de feijão que herdei dela, a galera que trabalha lá sempre me conheceu e sempre cuidou de mim. Me mudei pro meu atual apartamento onde moro com quatro caras estranhos, e divido o quarto com um gay libertino. Isso é homofóbico de dizer?

- Acho que não - respondeu ela com um sorriso encantador no rosto.

- Ah… Quem liga pra essa porra. Ele é até bem gostosinho.

- Se entregou!

- Me entreguei…

Os dois riram.

- Enfim, como era só eu com 17 anos, não consegui me manter nos estudos. Mas agora com o dinheiro da gravadora vou poder começar a faculdade. E bem, acho que é isso.

- Nossa, Jão. Eu nem sei o que dizer…

- Não precisa falar nada, Mi.

Ela assentiu.

- Por que você sempre fala fofo comigo?

- É assim que a gente fala com quem estamos apaixonados, né? - a menina olhou com expressão de incrédula para ele - Tá bom, é assim que a gente olha pra quem a gente quer comer, né? - ele olhou para Miriam, quase arrancando um pedaço com os dentes.

- Agora eu acredito.

- Mas me conta, e a sua história?

- Ah ela não é legal.

- Me conta mesmo assim. Por favor, Mi.

- Bem… Garota do Sul, que sempre teve tudo.

- Então é daí o seu sotaque.

- Exato. Me mudei pro Rio, com o dinheiro do meu pai, atrás de ser uma cantora que fala sobre sentimentos, que nem a Taylor Swift, sabe?

- Não conheço.

- Vou ignorar o que você disse para manter nossa amizade. Enfim, acabei caindo em uma furada. Meu pai deixou de me dar dinheiro quando escutou minhas músicas. Ele disse que isso não era “coisa de gente decente”. Pelo amor. Estamos em 2023, cara.

- Você fala sobre o contrato com o Caio?

- Sim… Eu deveria ter lido as letras pequenas, agora não posso cantar o que eu quero e sim o que ele quer que eu cante. E seu contrato é o mesmo, hein.

- Eu sei. Li ele melhor depois de tudo o que aconteceu quando nos conhecemos.

- Não se arrepende?

- Deveria?

- Não sei.

- Vocês ainda se falam? Você e seu pai?

Miriam deu de ombros. Ela tomou um longo gole da cerveja, bateu seu copo na mesa, quase o quebrando, e deu um grande beijo em Jão.

Os dois foram para a casa do rapaz juntos. Era o lugar mais perto deles. Quando chegaram no quarto, o clima começou a pegar fogo, roupas voavam, beijos eram dados, carinhos e promessas exibidas através de longos olhares. Os dois se entrelasavam em chamas que apenas o sexo com paixão e bebidas poderia proporcionar.

De repente, com um estrondo da porta, Robson, o colega de quarto de Jão, entrou na companhia de três garotos, que já estavam sem metade da roupa.

O menino só conseguiu falar: Ah puta que pariu, eu mereço um negócio desse? Sacanagem, meu irmão.

 

Três meses se passaram, o álbum de Miriam foi lançado e foi o maior sucesso, principalmente nas músicas que Jão colaborou. O sucesso era nítido, e agora o menino poderia focar em lançar seu primeiro álbum. Caio não aparecia muito, e sempre que aparecia, cortava um pouco das asas de Jão e não o deixava escolher coisas importantes, como ordem das músicas e nem mesmo as roupas que iria usar nos clipes. Miriam ia muito na sala dele com seu advogado. Mas sempre saia de lá chorando ou arrasada por nunca conseguir quebrar o contrato, que ainda iria perdurar por mais quatro anos. Uma noite, após terem feito sexo, Miriam contou para Jão que se quebrar o contrato agora, ela será demitida, mas terá que pagar o valor referente ao seu salário no ultimo show multiplicado por quatro, que é o tempo que ainda tem de contrato. Desde então essa conversa ficou presa na cabeça do menino, sempre pensando em uma maneira de ajudar.

- Eu tive uma ideia! - disse Jão em ligação com Miriam.

- Que ideia? Sobre o que?

- Olha o que te mandei por mensagem - era a foto de um banner que o rapaz fez. Tinha a foto de Miriam, escrito “Free Miriam!” e a explicação do que estava acontecendo com ela. Em baixo tinha a hora e o local. Feira da Glória, barraca Jão dos Feijões, de 10h às 17h, e um grande link para as doações.

- Você se inspirou em “Free Britney”? - Perguntou Miriam.

- Você não deveria ter me contado sobre.

- Meu Deus.

- É um caminho sem volta depois que se apega a causa - Miriam riu - Mas enfim, é arriscado, mas estou junto de você nessa.

- Você pode perder tudo, Jão. Não é certo com você.

- Calma, veja bem. Vamos cantar as músicas que o Caio permite por uma última vez, e fazer o maior show que aquela feira já viu. Pedi ajuda pro pessoal da feira e eles vão ajudar e divulgar.

- Jão…

- Até o Robson vai tirar a boca do pinto para vir ajudar!

- E se não der certo?

- Não temos nada a perder.

- Você tem! Você acabou de entrar pra faculdade e está começando sua carreira agora, um escândalo como esses pode acabar com sua imagem.

- Não vai.

- Mas pode.

- Não tem como saber!

- Isso não quer dizer que você tenha que arriscar! - gritou.

Um silêncio se fez dos dois lados da ligação. Jão escutava a respiração ofegante de Miriam, e a mulher podia jurar escutar o peito do rapaz se enchendo de ar.

- Olha, sempre me falaram que algum dia eu ia ter sorte e vender um feijão mágico, e que ele iria me levar até um castelo sob as nuvens e achar a minha galinha de ovos de ouro. Eu vendi o feijão da sorte, e quando assinei aquele contrato, eu cheguei até o meu castelo. Você foi a galinha de ovos de ouro que eu achei lá, e eu não vou embora sem você! Vamos fugir da porra desse gigante juntos! E eu vou cortar esse contrato igual ao João cortou aquela porra de pé de feijão!

- Jão…

- Tamo junto nessa porra, caralho! Eu e você.

Mesmo preocupada e com medo, Miriam respondeu:

- Ok, eu e você então. Vamos cantar pela última vez essas músicas horríveis!

- Isso aí!

- Ah, você me chamou mesmo de galinha?

- Bem, de ovos de ouro…

- Ah, então está bom!

Os dois riram.

 

No domingo os dois chegaram bem cedo na feira, e com a ajuda dos trabalhadores locais, começaram a organizar um mini palco para apresentação. Sacos de feijão foram organizados para doação responsável, para todos aqueles que não pudessem ajudar, serem ajudados. Do lado do palco foi posto uma placa para acompanhar quanto do valor eles já tinham arrecadado. Quando deu 10h tudo já estava pronto, mas apenas meia dúzia de gatos pingados estavam à espera do show. Na frente do palco havia uma fileira de senhoras, que segundo Jão, só vieram porque ele prometeu tirar a camisa durante o show. “O que um tanquinho e um sorriso bonito não fazem” disse para Miriam, que precisou de cinco minutos para o ataque de riso que teve.

- Estou com medo. Está quase na hora de entrarmos e tem pouquíssimas pessoas - disse Miriam.

- Ei, não fica, Mi. Vai dar tudo certo!

- A maioria das pessoas veio pelo seu tanquinho.

- Eu não tenho culpa de ter um tanquinho definido.

- João, para de brincadeira!

- Eta porra. Você só me chama de João quando está irritada.

- Não estou irritada. Tô nervosa.

- Eu to aqui, Mi.

- Esse é o problema! Tenho medo por você!

- Não fique!

- Pare de falar assim!

- Assim como? - perguntou o menino confuso.

- Você pode perder tudo. Por que você não entende isso?

Jão respirou fundo.

- Eu já perdi tudo antes. Algumas vezes na verdade. E eu não vou perder tudo de novo! Eu não tenho medo de perder dinheiro. Não tenho medo de trabalhar para chegar aonde eu quero. Essa porra vai dar certo!

- E se… - Jão a cortou.

- E se não der, que se foda! Pagamos a porra da divida e vamos vender Mary Kay juntos para conseguir nos sustentar! Você será a nova Miriam da Mary Kay, e eu vou voltar a ser o Jão do Feijão. Mas faremos isso juntos, caralho!

Eles se olharam. O fogo dos olhos de Jão ascendeu o coração de Miriam, e ali eles sabiam que estavam prontos para fazer o melhor show de suas vidas.

- Vamos nessa! - disse Miriam.

 

Os dois subiram ao palco juntos às 10h em ponto. Cantaram músicas de romance a músicas de funk dançantes. Fizeram covers e alguns artistas apareceram para apoiar a causa. Luan Santana, sem camisa, subiu ao palco e cantou algumas músicas com Jão. Marisa Monte fez uma ligação ao vivo para Miriam, e cantou mesmo de longe. As horas foram passando e a plateia aumentando, pode-se dizer que às 17h, metade do Rio de Janeiro estava na Glória prestigiando e torcendo pros dois.

No final do show, depois de muitas músicas e lágrimas, danças e tiradas de camisas sensuais, era hora do placar ser revelado.

- Chegou a hora que estávamos esperando - disse Jão - Parece que tivemos muitas doações para libertarmos nossa Miriam. Boatos que até alguns artistas doaram.

- Vocês são incríveis galera! - disse a mulher.

Cansados de esperar, os dois de mãos dadas abriram os resultados. A ansiedade era generalizada.

- E com os resultados em mãos, eu, Jão do Feijão, posso dizer, estamos livres caralho!

Miriam caiu no chão de tanto chorar. Seus olhos só se encheram de lágrimas e elas não pararam mais de escorrer. O público gritou. Todos emocionados com o que conseguiram fazer. “Ei Caio, vai tomar no cu!” vinha de todos os cantos, e o povo comemorava a vitória do casal.

- O pé! Você derrubou o pé de feijão, amor! Você derrubou o pé!

Jão só conseguia gritar e comemorar. Ele abraçava Miriam com alegria e alívio. Ele tinha conseguido.

 

Naquela noite, mais tarde, os dois foram para a casa de Miriam e comemoraram. Felizes e realizados, fizeram o melhor sexo de vitória que poderiam pedir. Amor e orgulho estavam entre eles, e se juntavam como as peças de um quebra cabeça. No dia seguinte os dois foram até a gravadora pagar a multa do contrato. Finalmente livres, os dois em sincronia falaram: “Ei Caio, vai tomar no cu!”. O dinheiro que sobrou da arrecadação foi transferido para a escola de artes que Jão sempre quis estudar. Com o grande financiamento, a escola se tornou um colégio público de artes dentro da comunidade, o que abriu portas para todas as crianças aprenderem e desenvolverem seus talentos. Jão e Miriam foram contratados por gravadoras melhores e mais responsáveis, e abriram um processo contra Caio, por abuso de poder.

Jão conseguiu se formar na faculdade, e ainda manter uma carreira de sucesso como cantor. Depois de uns anos, ele começou a dar aula de artes no colégio que financiou. Miriam conseguiu ser a compositora integral de suas próprias canções. No final, os dois não conseguiram namorar, mas alguns boatos dizem que Jão e Luan Santana são muito próximos. Coisa de artista, como Jão diria.

 

Jão do Feijão conseguiu cortar o pé que o levou até um castelo maravilhoso, mas que também o levou para a boca de um terrível gigante. Mas as coisas que ele encontrou nesse castelo valeram a aventura. E para sempre, ele levou essas coisas consigo, seja uma galinha de ovos de ouro e uma harpa mágica, ou um incrível amor e a oportunidade de uma vida. Jão do Feijão virou o nosso João do Pé de Feijão.

 

Lucas P Melo
Enviado por Lucas P Melo em 30/10/2024
Código do texto: T8185455
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