O Manaó Guerreiro (Ficção Histórica)

O MANAÓ GUERREIRO

Século XVIII – Terras amazônicas

— Não permitirei que os brancos arranquem violentamente aquilo que meus ancestrais possuem por direito de nascimento nessas terras abençoadas pela divindade! Minha tribo prevalecerá, nem que eu dê minha vida nessa batalha ferrenha e desigual!

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Ao nascer, fui acolhido pela mãe da tribo, a esposa do cacique. Educado no costume dos manaós — não conheço a derrota, não aceito a covardia, não entendo a submissão. Cresci como príncipe, reconhecendo meu valor e a importância de um guerreiro. Dominei a prática das flechas e das zarabatanas, do tacape, do arco e da lança. Valorizo minha cultura abundante, de costumes intensos, de rituais de celebração, repletos de cantos simbólicos, entoados e acompanhados pelas danças. Honro meus anciãos, o pajé e os valentes.

Compreendi desde curumim que meus caminhos não podiam cruzar com o dos brancos. Sujeitos cruéis, invasores, inimigos desse território. Embora não concordasse, os líderes fizeram acordo com os intrusos, entregariam homens de outras tribos, que seriam comercializados como escravos. Costume vil, hábito detestável, porém aceitável entre meus conterrâneos.

Conhecido pelo nome de “Mãe dos Deuses”, meu povo possuía navegadores hábeis, praticava o comércio com os que vinham em embarcações. Sobrevivia, utilizando-se de astúcia, esperteza e habilidade. Porém chegou o dia em que o confronto foi inevitável e implacável.

Foi uma época tenebrosa: o “descimento” era feito impiedosamente — uma captura realizada através de expedições — eles queriam nossa gente, a terra, a riqueza, nossos corpos, nossa fé, nosso orgulho... Pretendiam conduzir nossa gente para ser “aldeada” e catequizada. Consideravam-nos bárbaros... Isso não pude aceitar! Incompreensível, a violência usada contra nós! Os colonizadores adentraram a mata o quanto puderam; atacaram, queimaram ocas, trucidaram meus irmãos, mataram meu pai!

Identifiquei em meu interior o caráter belicoso da vingança. Tornei-me insurgente aos opressores coloniais. Consegui dominar meu espírito para planejar uma resistência. Reuni várias nações indígenas. Iniciei a Confederação do Rio Negro, tratei negociações com os holandeses do Suriname, juntei armas, reuni lutadores, preparei um ajuntamento de corajosos.

Mantive emboscadas estrategicamente dispostas. Tirei vantagem do conhecimento das estradas fluviais, resgatei os insubmissos, dei ânimo aos desalentados e segui, alerta, ao combate em meio à floresta, por vezes em clareiras na mata, ao som dos animais assustados e arredios. E, num momento terrível da batalha, perdi meu filho! Enfurecido, gritei, não me permiti desanimar, lancei-me com furor à luta conhecida como “Guerra dos Manaus”, iniciada em 1723.

Armas e tropas foram enviadas em direção à minha tribo; a peleja foi inclemente, porém, meus aguerridos combatentes enfrentaram impetuosamente por semanas, meses, anos. Os soldados inimigos pediram reforços ao rei. Conseguiram invadir nosso pedaço de chão. A memória desse dia rasga meu coração. Visões horrendas me dilaceraram. As moradias queimadas, os gritos das cunhantãs, o desespero alastrando-se. O sofrimento brutal...

A batalha foi perdida. A Coroa teve sua vitória, covardemente obtida. Espancaram-me, feriram-me, prenderam-me a ferros junto a mais de dois mil prisioneiros. Queriam levar-me a Belém, para ser julgado. Minha condenação era certa — insurgente, rebelde, bárbaro, não-cristão, os xingamentos seguiam. A revolta arrebentando o peito...

Pensamentos vieram, deixei a mente vagar de nostalgia: lembranças da minha união com a herdeira Titiá, nossos rebentos curumins; nossa aldeia em harmonia por tanto tempo. Saudoso agora estou das dádivas dos deuses àqueles fiéis às tradições — terras férteis, as matas para morar, rios caudalosos, caça e frutos em abundância!

NÃO! Mesmo nessa embarcação, palco das agressões dos brancos, não me deixo abater – luto, mesmo acorrentado, não me permito ser humilhado. Sou subjugado novamente, mas consigo me desvencilhar. Olho em volta rapidamente e planejo, num segundo, como irei me entregar à divindade: nessas águas me atirarei, morrerei, consciente de que sou Ajuricaba, o guerreiro manaó, descendente das terras amazônicas!

Neste momento, minha consciência de índio sucessor dos primitivos se orgulha de ter incansavelmente perseverado. Resisti bravamente. Tornei-me um personagem histórico não-europeu lembrado na História desse país! Meu nome virou lenda e figura nos registros folclóricos de livros, enciclopédias e compêndios.

Contam que, onde me atirei à morte, houve um tal reboliço na natureza, que as águas escuras do Rio Negro até hoje não se misturam às barrentas do Rio Solimões, provendo o exuberante espetáculo do famoso Encontro das Águas!

Às margens dos igarapés,

Na beira dos rios,

Meus ancestrais estabeleceram-se.

Livres, desfrutando do melhor das matas,

Dos frutos das árvores.

Nasci no meio do açaizeiro,

Rodeado de cupuaçus e pupunhas.

Tantos amendoins e andirobas.

Em árvores de dossel inteiro.

Vivi entre as seringueiras.

Me acostumei aos mandiocais.

Perfeitas terras pretas,

Que transbordam de guaranás.

Em terras amazônicas habitei.

Com coragem ao meu povo servi.

Guerreiros valentes reuni.

As forças interiores ajuntei.

Perseverante labutei,

Esperançoso ataquei,

Inimigos derrubei,

Vitórias alcancei.

Os anos passaram,

Vieram mais soldados,

Enviados em tropas,

As aldeias alcançaram.

Um morticínio cometeram,

As ocas incendiaram,

Impiedosamente,

Implacavelmente.

Humilhar-me quiseram,

A ferros me prenderam,

Numa embarcação me levaram,

Porém, parado não fiquei.

Acorrentado lutei.

Novamente subjugado,

Meu destino planejei.

Não fiquei amedrontado,

Às águas me atirei.

E assim serei lembrado:

Sou Ajuricaba, meu povo liderei.

Obs. Esse conto foi originalmente publicado na coletânea "Fragmentos Históricos" Edição 5

Lidiene Costa
Enviado por Lidiene Costa em 28/10/2024
Código do texto: T8183779
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