O Homem de Muitos Mares.
Raul caminhava pelas ruas da cidade como quem se afoga em mares invisíveis. À primeira vista, parecia sereno, até indiferente ao caos ao seu redor, mas dentro dele, tempestades se agitavam sem descanso. Cada pensamento que ele tentava seguir naufragava em um oceano de outros, e cada emoção, mesmo a mais suave, era tragada por correntes contraditórias.
Nascido com a alma de um marinheiro, Raul nunca soubera ao certo qual era seu porto. Seus amigos lhe diziam que ele deveria se “encontrar”, como se o “eu” fosse algo que se pudesse alcançar em um único lugar, como se estivesse esperando pacientemente em algum recanto de sua mente, pronto para ser descoberto. Mas, para ele, a ideia de ser um só, de ter um centro fixo, parecia impossível. Como poderia, se dentro dele coexistiam mil vozes, todas falando ao mesmo tempo, cada uma com sua própria ânsia e história?
Ele vivia só, mas nunca estava realmente sozinho. Havia momentos em que sentia que carregava multidões dentro de si, conversando, brigando, rindo. Na superfície, o silêncio era absoluto. Um homem comum, sentado num café, encarando a chuva pela janela. Mas, por dentro, as águas revoltas não cessavam.
Raul já havia tentado se conectar com outros, mas as conversas sempre se desintegravam em mal-entendidos ou silêncios desconfortáveis. Como explicar para alguém que, quando lhe perguntavam como ele estava, sua mente mergulhava em diálogos internos que exploravam cada possibilidade de resposta, desde a mais simples até a mais existencial? Ele se via incapaz de escolher uma, então respondia com um simples “bem”, quando, na verdade, não sabia nem se estava realmente ali.
As noites eram piores. Quando deitava a cabeça no travesseiro, os mares dentro de Raul pareciam crescer, cobrindo qualquer chance de repouso. Sua mente navegava de uma memória a outra, de um desejo a um arrependimento, como se estivesse em um barco à deriva, sem capitão. Muitas vezes, acordava exausto, com a sensação de ter vivido uma vida inteira enquanto o mundo real dormia.
Certa vez, ele conheceu uma mulher chamada Clara. Ela parecia compreendê-lo de um jeito que ninguém mais conseguia. Havia algo em seu olhar que sugeria que ela também conhecia mares profundos. Por um breve momento, Raul achou que talvez tivesse encontrado alguém com quem pudesse dividir suas águas turbulentas. Mas, conforme a relação avançava, ele percebeu que a presença dela não aplacava suas tempestades, apenas as misturava a outras, tornando-as ainda mais complexas. Aos poucos, Clara se afastou, dizendo que Raul era como um oceano que a tragava, e ela não sabia nadar tão fundo.
Raul, então, entendeu que talvez nunca encontraria alguém que pudesse navegar consigo. Não por falta de vontade, mas porque seu mundo interno era vasto demais, confuso demais para ser compartilhado. E, ainda assim, ele não podia mudar quem era.
Agora, aos 39 anos, Raul aceitava sua solidão como uma parte inevitável de sua existência. Ele era o homem de muitos mares, incapaz de encontrar um meio-termo em si mesmo porque, em seu âmago, não existia apenas um caminho, mas uma infinidade de rotas cruzadas. Ele vivia em constante movimento, sempre buscando uma calma que nunca chegava.
E, de certa forma, ele havia feito as pazes com isso. Não era mais a falta de conexão com o mundo que o atormentava, mas sim a vasta incompletude de si mesmo. Talvez ele fosse como o mar: incontrolável, profundo, e sempre em mudança.