O caos em forma de bolacha
Era uma manhã como outra qualquer. João, um homem pacato, caminhava pela calçada da avenida rumo ao trabalho, perdido em seus próprios pensamentos. O som do trânsito, a movimentação da cidade apressada, tudo parecia seguir seu fluxo habitual. Mas, de repente, algo inesperado chamou sua atenção. Do outro lado da pista, um carro freou bruscamente e, antes que ele pudesse entender o que estava acontecendo, ouviu um barulho de impacto, seguido por uma série de outros sons metálicos. Três carros se engavetaram logo em seguida.
O motorista do primeiro carro, um senhor de meia-idade, parecia desesperado. Ele tossia violentamente, com uma mão no volante e outra no pescoço, tentando, sem sucesso, desobstruir a própria garganta. Estava engasgado, provavelmente com algo que comeu às pressas, e, em meio ao pânico, pisou fundo no freio, sem pensar nas consequências.
O carro parou de repente, e logo atrás os outros não conseguiram frear a tempo. Em questão de minutos, o caos se instalou. Curiosos começaram a se aglomerar, a princípio sem saber o que havia acontecido. Os motoristas que estavam presos no engarrafamento buzinavam impacientes, enquanto alguns desciam dos veículos para tentar entender o motivo daquela súbita confusão. Um murmúrio crescente tomou conta da multidão.
Logo surgiram os “especialistas”. Um homem de óculos, que se destacou na multidão, se moveu ao carro do homem engasgado e, com uma confiança exagerada, declarou: — Deixa comigo! Ele precisa da manobra de Heimlich! Vi isso num filme!
Outro, mais idoso e com uma expressão de superioridade, contestou de imediato: — Filme? Isso é bobagem! Água, ele precisa de água! Alguém tem uma garrafinha?
E assim começou o debate entre os leigos. Enquanto isso, o homem continuava tossindo, incapaz de respirar direito, e os minutos desnecessários se arrastavam. O pânico começou a tomar conta, mas ninguém sabia exatamente o que fazer. Foi então que um médico, reconhecido como o verdadeiro especialista, surgiu no meio da confusão. Ele passou os curiosos e começou a agir.
— Afastem-se, deixem o homem respirar! — convenceu o médico, tomando as decisões necessárias.
Mas, enquanto trabalhava, as buzinas continuavam a soar. No meio do engarrafamento, surgiram mais variações sobre o ocorrido. Um motorista de bigode grosso, que falava como se soubesse de tudo, decretou: — Aposto que bateu num poste! Isso sempre acontece aqui… um irresponsável ao volante.
— Nada disso! — transmitia uma mulher de um carro mais adiante. — Ele deve estar bêbado! Olha a hora! Quem sai dirigindo assim de manhã?
Um jovem com boné, sentado no capô de seu carro, opinou: — Nada! É moleque sem carteira! Aposto que está tirando racha!
E, como sempre, havia aquele mais conspirador: — Isso tudo é culpa do governo! Devem ter jogado um pé-de-cabra voador na pista!
Enquanto as opiniões voavam de um lado para o outro, as estações de rádio já transmitiam suas próprias versões. Uma emissora noticiou um “grave acidente com múltiplas vítimas”, enquanto outra falava de “um caminhão desgovernado colidindo com carros menores”. Os repórteres já corriam para o local, sedentos de informação sensacionalista.
No entanto, a verdade era muito mais simples, mas igualmente absurda: o homem só estava engasgado.
Após alguns minutos, o médico conseguiu desobstruir suas vias respiratórias e, ainda pálido, o homem respirou fundo e tentou se desculpar de leve: — Desculpem… foi só uma bolacha… não pensei que causaria tudo isso.
A multidão ficou em silêncio por alguns segundos. O homem do bigode, que jurava que ele havia batido num poste, coçou a cabeça, sem graça. A mulher que gritava sobre embriaguez deu uma risada nervosa. O jovem com boné voltou para dentro do carro, sem mais uma palavra. Todos ficaram constrangidos pela simplicidade da situação.
— Uma bolacha de água e sal… — repetiu o médico, balançando a cabeça, incrédulo.
O trânsito começou a se mover novamente. As buzinas ainda vibravam, mas o caos se dissipava, deixando para trás apenas o eco de uma reflexão cômica e um tanto quanto absurdo: um engasgo com uma simples bolacha conseguira parar uma avenida inteira.
No fim, João se afastava do local, agora voltado para si, pensando em como a vida, na sua correria, poderia afetar a todos com algo tão trivial. Afinal, o que era uma bolacha frente ao ritmo frenético de uma cidade que nunca pode parar?
E, entre risos discretos, João se perguntou quantos mais ainda contariam a história como se tivesse sido uma tragédia monumental, sem saber que tudo começou com um singelo e fatal… engasgo.
Já no fim da fila de carros, um motorista desceu, ainda buscando uma explicação para o que tinha acontecido: — Eu ainda acho que teve a ver com aquele pé-de-cabra voador! Esse governo não esconde nada de mim!