esbarramos na calçada
Tinha voltado para casa pensativa, o olhar mirando longe. Deixou a bengala ao pé da cama e foi até o guarda-roupas pegar a caixa de papelão forrada de cor-de-rosa onde guardava os retratos. Estava tudo embaralhado, sempre fazia o propósito de organizar as fotos por tema e época, mas desanimava ante o volume da bagunça generalizada. Como era uma das antigas que procurava, foi separando só as preto e brancas com a bordinha serrilhada. A delicadeza que permeava as coisas dos velhos tempos nunca falhava em adoçar seu coração. Aquelas bordas falavam de uma outra vida, com uma outra experiência de beleza gratuita. Começou a sentir o comichãozinho que só podia ser a chegada da saudade. Passando entre os dedos as fotografias, não prestava muita atenção nelas, porque estava empenhada em achar apenas uma. E quase no fundo da caixa, encontrou-a. Era 1953, e estavam todos rindo e felizes à beira da cachoeira naquele verão em Teresópolis. O maiô era branco, a foto não mentia. E a seu lado estava ele, topete alto, uma rara semelhança com James Dean. As mãos muito juntas, os dedos entrelaçados. O sopro daquele amor relembrado inflou algo por dentro. A filha entrou no quarto a tempo de surpreender duas lágrimas caminhando pelas asas do nariz. "Que foi, mamãe? Recordações tristes?" Ela estendeu a foto. "Vê esse rapaz perto de mim? Acho que hoje nos esbarramos na calçada ..."