Involução

Felipe nasceu com algo estranho nos dois pavilhões auriculares. Foi o primeiro bebê. Nos dias seguintes, em maternidades de várias partes do mundo, inúmeras crianças nasciam com o mesmo “acessório”.

Estudos foram feitos e os bebês tinham o desenvolvimento acompanhado por equipes multiprofissionais. As crianças não reagiam a estímulos sonoros. Os médicos, cientistas e outros profissionais concluíram o aparente óbvio: eram surdas.

Em meio a toda essas excentricidades, havia uma em especial: os bebês pareciam responder a estímulos internos, rindo, movimentando-se em dança e até dando uns gritinhos.

Com anuência da família, Felipe, o primeiro bebê, foi submetido a procedimento para retirada do acessório. A cirurgia foi um sucesso. No entanto, o bebê já não tinha a alegria de antes. Verificaram, posteriormente, que ficara surdo. Em análises feitas no acessório, descobriram que ele emitia sequência de combinações harmoniosas de sons.

"Como não percebemos isso desde o início?" - indagou, em autocrítica, um cientista. "É a evolução da espécie humana" - completou. Pensou nos fones que costumava usar em suas caminhadas e os achou primitivos, ridículos.

Fizeram nova cirurgia em Felipe e reinseriram os naturais fones. Afinal, não ficaria bem a cientistas ir contra a evolução. Mas no fundo, timidamente escondida, havia neles a desconfiança de que, com a mudança anatômica trazida pelos bebês, a humanidade andava para trás.

Osvaldo Júnior
Enviado por Osvaldo Júnior em 20/10/2024
Reeditado em 21/10/2024
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