A porta
Não tinha um pingo de dó da pobre. Arremessava-a sem piedade contra o batente cada vez que chegava em casa. Torcia com força a maçaneta e girava a chave na fechadura com mão de ferro. Se agia com ela dessa forma, imagine com as pessoas! Um ser sem suavidade, é o que era, desprezar assim os objetos! E logo ela, sempre gentil, sempre pronta a se abrir, mesmo escancarar-se, se fosse o caso. Deixava passar a todos, generosamente. Quando preciso, também sabia deixar os indesejáveis do lado de fora. Mas se os nós de uns dedos simpáticos batessem sobre o seu dorso com delicadeza, respondia com delicadeza também. Era educada. No geral, não tinha pressa. Era só aquela criatura raivosa e irascível que a fazia sair zunindo. Ah, como detestava ser atirada assim, como doía! E o estrondo, o barulho que fazia estremecer a casa! Quando sentia a mão pesada na maçaneta, já começava a gemer. Houve um dia uma discussão tremenda na sala de estar. Ela ouviu tudo, revoltada com as palavras grosseiras, a violência que testemunhava e sabia que ela também seria mais uma vítima inocente daquele destempero. Quando foi arremessada com toda força ao batente, decidiu que seria a última vez. Haveria vingança! Despregou-se inteira das dobradiças e caiu com todo o seu peso sobre a imbecilidade personificada naquele corpo que tombou sob o seu. E ao desabar com a inesperada fúria da sua essência de madeira, rangeu com a alegria de saber que não haveria uma próxima vez.